Para entendermos a história da Igreja, é necessário entendermos primeiro a história do povo de Deus na antiga aliança, Israel. Israel era o povo de Deus, mas ele estava constantemente se desviando dos caminhos do Senhor. Basta uma lida rápida nos livros proféticos para perceber que os judeus estavam se apartando de Deus a cada segundo. Jesus disse que Deus lhes enviou profetas para que eles se arrependessem de seus pecados e se voltassem para Ele, mas eles preferiram matar os profetas do que ouvi-los (Mt.23:34-35). A situação ficou tão problemática que chegou ao ponto em que restavam apenas sete mil joelhos que não haviam se dobrado diante do deus Baal (1Rs.19:18). E isso ainda era muito, porque o profeta Elias pensava que ele era o único que havia sobrado (Rm.11:3)!
De tanto se desviar dos caminhos do Senhor, Israel pagou o preço. Em 721 a.C, Israel é invadido pelo exército da Assíria e levado cativo. O reino de Judá era um pouco mais fiel que Israel, razão pela qual levou mais tempo para ser castigado por Deus. Isso se deu em 587 a.C, pelas mãos do império babilônico. Quais foram os pecados que levaram Israel a apostatar? Basta uma simples leitura para concluir: idolatria e tradições humanas. Israel estava repetidamente virando as costas para Jeová a fim de servir a Baal, a Moloque, a Aserá, a Astaroth e a todos os outros deuses das nações circunvizinhas. A idolatria foi a razão principal. Mas também houve outro fator, tão condenado por Jesus: os judeus haviam deixado de seguir somente as Escrituras, e passado a observar tradições humanas junto.
Foi por isso que Jesus disse:
Mateus 5:13 - E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês?
Mateus 15:6 - Assim vocês anulam a palavra de Deus por causa da tradição de vocês.
Marcos 7:3 - Assim vocês anulam a palavra de Deus, por meio da tradição que vocês mesmos transmitiram. E fazem muitas coisas como essa.
Marcos 7:6,7 - Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, Mas o seu coração está longe de mim; em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.
Marcos 7:8 - Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens.
Marcos 7:9 - Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecer às suas tradições!
Os judeus tinham que seguir somente as Escrituras (=Sola Scriptura), mas, ao invés disso, eles preferiram adicionar suas tradições junto com a Palavra de Deus. O resultado era uma doutrina mesclada: um pouco de Escritura, e muita tradição. Para piorar, era a tradição que interpretava as Escrituras, e não o contrário. Jesus repudiou isso com todas as forças. Ele se apoiou sempre na autoridade da Escritura – ainda que incompleta a tal altura, pois iria ser complementada pelo Novo Testamento – e nunca na tradição dos fariseus, ainda que estes alegassem possuir uma tradição oral que supostamente remetia a desde os tempos de Moisés, sendo preservada incorruptivelmente até aqueles dias.
Os judeus falharam pela idolatria e pela tradição e pagaram seu preço. O Reino foi tirado deles e dado à Igreja (Mt.21:43). Essa Igreja, do grego ekklesia (literalmente, os “chamados para fora”), era a reunião de todos os verdadeiros cristãos em todas as partes do mundo – os chamados para fora do sistema mundano do pecado. Biblicamente, a Igreja é o corpo de Cristo (Ef.1:22-23), e este corpo de Cristo somosnós (1Co.12:27), i.e, os próprios cristãos. A Igreja, em seus primeiros séculos, congregava em casas, como estas passagens deixam claro:
“À irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que se reúne com você em sua casa” (Filemom 1:2)
“As igrejas da província da Ásia enviam-lhes saudações. Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles” (1ª Coríntios 16:19)
“Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles” (Romanos 16:3-5)
É interessante observar também que Paulo não diz que aqueles irmãos se reuniam na Igreja, mas sim que a Igreja se reunia naquela casa. Em outras palavras, para o apóstolo Paulo, a Igreja não era uma instituição religiosa que tinha um certo número de membros, mas sim os próprios cristãos que se reuniam naquelas casas. Em um sentido primário, a Igreja é, portanto, os verdadeiros cristãos onde quer que eles estejam. Onde dois ou três estiverem reunidos em nome de Cristo, ali Jesus está (Mt.18:20), ali está a Igreja de Cristo. E estes cristãos, por sua vez, se reuniam em comunidades, em cada local aonde o evangelho ia alcançando. Essas comunidades, por sua vez, eram também chamadas de “igrejas” (Ap.2:1,8,12,18; 3:1,7,14).
É daí que surge o conceito de “igreja invisível” e “igreja visível”. Essa é uma importante distinção que foi muito ressaltada pelos reformadores. A “igreja invisível”, é, como vimos, a reunião de todos os cristãos em todas as partes do mundo. E a “igreja visível” são os locais onde estes cristãos (a Igreja) se reúnem para adorar a Deus, e também são chamados de igrejas. As promessas que Deus fez sobre a vitória da Igreja contra as portas do inferno se referem, obviamente, à Igreja no sentido primário (Mt.16:18), e não a uma comunidade cristã em particular. Significa meramente dizer que os verdadeiros cristãos nunca desapareceriam da face da terra. Não significa sequer dizer que eles seriam maioria, pois Cristo deixou claro que seriam poucos os que se salvariam (Lc.13:23-24), que o caminho é estreito (Mt.7:14) e a porta também (Mt.7:14).
Como eram as comunidades cristãs (igrejas) ainda no século I? Eu fiz uma análise mais elaborada disso em meu artigo "A Igreja invisível perfeita e a Igreja visível imperfeita", que eu recomendo entusiasticamente que todos leiam. A verdade é que as igrejas visíveis já estavam relativamente corrompidas ainda no século I. A igreja da Galácia estava afundada no evangelho judaizante a tal ponto que Paulo havia pensado ser inútil o seu esforço em favor deles (Gl.3:3-4). A igreja de Corinto tinha divisões internas (1Co.1:11), pessoas que não criam nem na ressurreição (1Co.15:12) e apoiavam um caso de incesto famoso na igreja (1Co.5:1-2). A igreja de Colossos tinha um princípio de heresia gnóstica (Cl.2:8), assim como as igrejas para as quais João escreveu suas três epístolas pastorais (2Jo.1:7).
Uma dessas igrejas era governada por um indivíduo de nome Diótrefes, contra quem o apóstolo e evangelista escreve:
“Escrevi à igreja, mas Diótrefes, que gosta muito de ser o mais importante entre eles, não nos recebe. Portanto, se eu for, chamarei a atenção dele para o que está fazendo com suas palavras maldosas contra nós. Não satisfeito com isso, ele se recusa a receber os irmãos, impede os que desejam recebê-los e os expulsa da igreja” (3ª João 1:9-10)
Ao chegarmos às cartas as sete igrejas, vemos mais igrejas visíveis sendo gradualmente corrompidas. Até a igreja de Éfeso, aquela mesma que havia sido tão elogiada por Paulo em sua carta a eles, já havia abandonado o seu primeiro amor (Ap.2:4-5). A igreja de Pérgamo, por sua vez, se apegava aos ensinos de Balaão (Ap.2:14-16), enquanto a de Tiatira tolerava Jezabel (Ap.2:20-23), a de Sardes estava espiritualmente morta (Ap.3:1-4) e a de Laodiceia era “miserável, digna de compaixão, pobre, cega e está nua” (Ap.3:17). Das sete igrejas, somente duas haviam mantido a pureza do evangelho: a de Esmirna e a de Filadélfia. Ressalto que essa apostasia na igreja visível estava ocorrendo na época em que ainda havia apóstolo vivo, pelo menos um, João. Se isso ocorreu dentro de um período tão breve de tempo, quanto mais depois que todos os apóstolos morreram!
O católico romano deve pensar que a igreja de Roma foi a única a não se desviar. Isso ocorre porque o papa romano proclamou, dezoito séculos depois de Cristo, que ele é infalível (durante o Concílio Vaticano I, em 18 de julho de 1870). Isso significa que a igreja de Roma era impossível de cair em apostasia, ainda que todas as outras pudessem. Ora, este parecer foi claramente rejeitado pelo apóstolo Paulo, que, ao escrever à igreja de Roma, asseverou sem piedade:
“Se alguns ramos foram cortados, e você, sendo oliveira brava, foi enxertado entre os outros e agora participa da seiva que vem da raiz da oliveira, não se glorie contra esses ramos. Se o fizer, saiba que não é você quem sustenta a raiz, mas a raiz a você. Então você dirá: ‘Os ramos foram cortados, para que eu fosse enxertado’. Está certo. Eles, porém, foram cortados devido à incredulidade, e você permanece pela fé não se orgulhe, mas tema. Pois se Deus não poupou os ramos naturais, também não poupará você. Portanto, considere a bondade e a severidade de Deus: severidade para com aqueles que caíram, mas bondade para com você, desde que permaneça na bondade dele. De outra forma, você também será cortado” (Romanos 11:17-22)
Ao invés de Paulo assegurar aos romanos que eles não podiam jamais apostatar da fé e se desviar da Verdade, pois estariam supostamente resguardados pela infalibilidade de seu bispo supremo de tal modo que não seria possível ser “cortado” do Reino, ele lhes diz justamente o contrário: que eles deveriam temer ser cortados, porque Deus não lhes pouparia! A igreja de Roma continuaria como parte do Reino desde que (e esse “desde que” faz toda a diferença, pois mostra que a perseverança da igreja de Roma era condicional, ao invés de incondicional) permanecesse na bondade de Deus. Em outras palavras: a igreja de Roma poderia cair, assim como todas as outras. E foi o que de fato ocorreu.
O nome que foi dado a essa igreja visível como um todo foi o de católica, que vem do termo grego katholikos, que significa “universal”. Este foi um termo apropriado para uma igreja que já estava cumprindo sua missão de pregar o evangelho em todo o mundo, estabelecendo igrejas em todos os lugares. A Igreja, como um todo, era chamada de “católica” ou “universal”, mas nunca de “católica romana”, como ocorreu mais tarde, após o cisma com o oriente (trataremos disso em um instante). Essa Igreja Católica não era, de forma alguma, a Igreja Católica Romana existente nos dias de hoje – nem em seu corpo doutrinário, que se diferencia do romanismo atual em um milhão de aspectos, nem na própria nomenclatura, que só passou a ser utilizada pelo ocidente séculos mais tarde, e ainda é rejeitada pelo oriente.
Roma, naquela época, ainda era apenas mais uma comunidade cristã dentre tantas outras existentes nos primeiros séculos. Quando dizemos que Roma apostatou, não estamos dizendo que a Igreja apostatou, porque Roma não representava de forma alguma a Igreja como um todo. Estamos meramente dizendo que uma parte da Igreja da época apostatou. Ora, os romanos também creem que as igrejas ortodoxas orientais apostataram após serem excomungadas pelo bispo romano em 1054 d.C. Portanto, eles admitem a possibilidade de que parte da Igreja (i.e, comunidades locais visíveis) apostatasse. Só não admitem que isso tenha acontecido com eles.
Mas em que ponto que esta apostasia se deu? Sabemos por meio de Irineu de Lyon (130-202) que até o século II a igreja de Roma permanecia fiel. Ele inclusive destacou que a igreja de Roma era a maior e mais importante de todas as igrejas na época. Alguns romanistas fazem uso deste texto para fundamentar a suposta jurisdição universal do bispo romano já nos primeiros séculos. No entanto, a afirmação de Irineu é semelhante a quando dizemos que São Paulo é a maior e mais importante cidade do Brasil. Isso é verdade? Sim. Mas significa que o prefeito de São Paulo tem poder para mandar nos prefeitos de outras regiões e governar as outras cidades do país? É óbvio que não. Da mesma forma, a superioridade da igreja de Roma se dava pelo único e exclusivo fato de Roma ser a capital do império, e a igreja da capital ganhava um destaque maior, mas muito longe de poder exercer jurisdição sobre as demais dioceses cristãs.
Vemos isso claramente nos cânones do Concílio de Niceia, que proclama que “o bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim como o bispo romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição”[1]. Note que Roma não tinha, nem de longe, uma jurisdição universal. Quem mandava sobre o Egito, Líbia e Pentápolis era Alexandria, e não Roma. E o cânon segue falando sobre a jurisdição do bispo de Antioquia e dos outros bispos, cada qual na sua própria jurisdição. Em lugar nenhum diz que a jurisdição do bispo romano era sobre o mundo todo, mas somente “sobre o que está sujeito a Roma”. Ou seja: cada um no seu quadrado.
O Concílio de Cartago presidido por Cipriano, em 255 d.C, reagiu desta forma às tentativas já existentes do bispo romano em querer ampliar sua jurisdição:
“Pois nenhum de nós coloca-se como um bispo de bispos, nem por terror tirânico alguém força seu colega à obediência obrigatória; visto que cada bispo, de acordo com a permissão de sua liberdade e poder, tem seu próprio direito de julgamento, e não pode ser julgado por outro mais do que ele mesmo pode julgar um outro. Mas esperemos todos o julgamento de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único que tem o poder de nos designar no governo de Sua Igreja, e de nos julgar em nossa conduta nela”[2]
O próprio Irineu se contrapôs a Vitor, o bispo de Roma da época, quando este quis excomungar todos os demais bispos que não concordavam com ele. Se ele tivesse jurisdição universal, ele teria poder para isso. Mas Eusébio de Cesareia (265-339) nos diz que “restam as expressões que empregaram para pressionar com grande severidade a Vitor. Entre eles também estava Irineu”[3]. Os outros bispos não apenas não foram excomungados – prevalecendo sobre o bispo romano – como também repreenderam Vitor severamente, e Irineu lhe escreveu uma vigorosa carta na qual condenava esta ação ditatorial. Anos antes, quando o bispo de Roma Aniceto havia entrado em contenda com Policarpo, Eusébio nos afirma que “Aniceto cedeu a Policarpo”[4]. Novamente, o bispo de Roma não conseguiu impor a sua vontade sobre ninguém.
Inácio de Antioquia (35-107) escreveu dizendo que a jurisdição dos romanos se limitava à própria Roma[5], Tertuliano chegou a chamar o bispo romano de “diabo”[6], Cipriano chamou o bispo de Roma da sua época de “amigo de hereges e inimigo dos cristãos”[7] e Jerônimo diz que o “chefe de toda a Ásia” não era o bispo romano, e sim Policarpo, o bispo de Esmirna[8]. É interessante notar como ele contrapõe o que acontece em Roma diante do costume das outras igrejas cristãs, que para ele exercem prioridade sobre Roma:
“Mas você vai dizer: como, então, que em Roma um presbítero é ordenado apenas na recomendação de um diácono? Ao qual eu respondo como se segue. Por que você apresenta um costume que existe em uma única cidade? Por que você se opõe às leis da Igreja uma exceção insignificante que deu origem à arrogância e orgulho?”[9]
Jerônimo considera o costume adotado em Roma como uma exceção insignificante diante do parecer das demais igrejas cristãs da época. Isso certamente não aconteceria caso Roma exercesse jurisdição universal, governando todas as demais igrejas por extensão e autoridade. Roma era somente mais “uma única cidade”. A coisa piora ainda mais quando João Crisóstomo (347-407) afirma que o bispo de Antioquia é que “aspirava o primeiro lugar em toda a terra”[10] (mas espere, este título já não era do bispo romano?) e quando Gregório, o então bispo de Roma, afirma que o título de “bispo universal” era um “nome de blasfêmia” que tirava a honra de todos os demais bispos:
“Os próprios mandamentos de nosso Senhor Jesus Cristo são transtornados pela invenção de uma certa orgulhosa e ostensiva frase, que seja o piedosíssimo senhor a cortar o lugar da chaga, e prenda o paciente remisso nas cadeias da augusta autoridade. Pois ao atar estas coisas justamente alivias a república; e, enquanto cortas estas coisas, provês o alargamento do teu reinado (...) O meu companheiro sacerdote João, pretende ser chamado bispo universal. Estou forçado a gritar e dizer: Oh tempos, oh costumes! (...) Os sacerdotes, que deveriam chorar jazendo no chão e em cinzas, buscam para si nomes de vanglória, e se gloriam em títulos novos e profanos (...) Quem é este que, contra as ordenanças evangélicas, contra os decretos dos cânones, ousa usurpar para si um novo nome? O teria se realmente por si mesmo fosse, se pudesse ser sem nenhuma diminuição dos outros – ele que cobiça ser universal (...) Se então qualquer um nessa Igreja toma para si esse nome, pelo qual se faz a cabeça de todo o bem, segue-se que a Igreja universal cai do seu pedestal (o que não permita Deus) quando aquele que é chamado universal cai. Mas longe dos corações cristãos esteja esse nome de blasfêmia, no qual é tirada a honra de todos os sacerdotes, no momento em que é loucamente arrogado para si por um só”[11]
Nestas linhas vemos o bispo romano Gregório Magno afirmando que o título de “bispo universal”, que hoje é comumente usado pelos católicos para o papa, é na verdade:
1º Uma invenção orgulhosa.
2º Uma frase ostensiva.
3º Um alargamento do reinado, além daquilo que realmente possui.
4º Um nome de vanglória.
5º Um título novo e profano.
6º Uma usurpação.
7º Uma diminuição da autoridade dos outros bispos.
8º Um nome que faz com que toda a Igreja caia se esse “bispo universal” cair.
9º Um nome de blasfêmia.
10º Um nome que tira a honra dos outros sacerdotes.
Vemos, portanto, que desde tempos bem remotos os bispos de Roma já aspiravam uma jurisdição universal, sendo constantemente repreendidos pelos demais bispos em função disso. Como Salomão corretamente observou, “o orgulho precede a queda” (Pv.16:18), que não tardou em acontecer[12]. Essa queda, contudo, não aconteceu de um dia para o outro, mas foi gradual. Algumas doutrinas na Igreja já haviam sido corrompidas desde tempos mais remotos. O batismo infantil, que não existia até a época de Tertuliano, sendo explicitamente negado por este[13], se tornou uma prática na Igreja a partir da época de Orígenes, ainda no final do século II. A imortalidade da alma, tão explicitamente negada por Inácio, Policarpo, Taciano, Teófilo e Justino[14], foi adotada a partir de meados do século II, pela influência grega platônica.
A partir disso, as portas foram abertas para a entrada de todas as demais doutrinas provenientes da adoção da crença em uma alma imortal: a intercessão dos santos passou a ser sugerida por Orígenes e Clemente de Alexandria, ainda em finais do século II, e por Cipriano, já no século III (embora o culto aos defuntos ainda não existisse), o purgatório surgiu como uma conjectura teológica de alguns Pais latinos a partir do século IV, e o culto aos santos professado por Gregório Nazianzeno e Basílio de Cesareia, em finais do século IV. Mais tarde, a Igreja Romana se apropriaria destas doutrinas sobre os mortos para fundamentar todas essas teses como dogmas oficiais da Igreja.
Mas o momento da história que mais impulsionou o desvio em relação à igreja primitiva foi, certamente, a adoção do Cristianismo como a religião oficial do império romano, pelo imperador Teodósio I, em 380 d.C. Desde a época da conversão de Constantino, algumas décadas antes, o Cristianismo já era grandemente favorecido pelo império, e multidões de pagãos se convertiam à Igreja. Mas com Teodósio o Cristianismo passou ao status de religião do Estado, tornando obrigatória a conversão de pagãos. Mas havia um problema: não se muda uma cultura do dia pra noite. A multidão de pagãos “convertidos” à força acrescentou à Igreja em termos quantitativos, mas tirou muito dela em termos qualitativos, porque esses pagãos traziam suas práticas pagãs para dentro da Igreja.
Antes disso, os cristãos ainda mantinham o costume de congregar em casas, enquanto os pagãos se reuniam em templos luxuosos e esplêndidos. Mas havia um problema: depois que essas outras religiões se tornaram “ilegais”, o que fazer com seus templos? O imperador não sugeriu destruí-los por completo, mas transformá-los em templos “cristãos”. O mesmo impasse ocorreu na questão das imagens: o que fazer com elas? Os pagãos, ao invés de destruir tais imagens, preferiram dar a elas uma roupagem “cristã”: os deuses do paganismo romano se transformaram em “santos” do catolicismo romano. Da mesma forma, no paganismo romano havia um “deus protetor” de cada cidade, os quais foram apenas substituídos por “santos padroreiros” das mesmas.
O paganismo não foi superado, ele apenas trocou de roupa, para ficar com uma carinha cristã. Essencialmente, o catolicismo em Roma, a capital do império, era uma mescla de Cristianismo com paganismo – um claro e explícito sincretismo pagão. Esse paganismo ficou ainda mais evidente na medida em que o tempo foi passando, e essa cultura foi se consolidando. A “Ísis” do paganismo tornou-se a “Maria” do romanismo, e também os títulos pagãos foram transferidos. Assim, a “rainha dos céus” (Jr.44:18-19), que Jeremias tanto repudiou em seu livro, passou subitamente a ser um atributo de Maria, que é reconhecida na Igreja Romana atual por este mesmo título.
O contraste entre o ocidente cada vez mais paganizado e o oriente ainda mais cristão (embora também poluído com certas doutrinas impuras que foram adentrando na Igreja continuamente através dos séculos) foi se tornando cada vez mais evidente. O ocidente, através de Roma, sua porta-voz, adotava doutrinas que são rejeitadas até hoje pela igreja católica oriental, tais como o purgatório, as imagens de esculturas nos templos, a imaculada conceição de Maria e outros dogmas e títulos marianos. Mas a gota d’água foi quando o bispo romano decidiu se sobrepor de forma definitiva em relação aos demais bispos, ostentando sua pretensa “jurisdição universal”, aquela mesma que foi tão rejeitada nos séculos anteriores.
Ali houve uma ruptura entre a Igreja ocidental e a Igreja oriental. Os historiadores ortodoxos afirmam:
“Ao contrário do que alguns historiadores afirmam, o cisma é realmente ‘do Ocidente’, visto que foi a Igreja Romana quem se separou da comunhão de Fé das Igrejas Irmãs (...) De fato, a Igreja de Roma, graças a fatores essencialmente políticos, de ambição do poder temporal, desenvolveu a partir da Idade Média, a doutrina da primazia do Papa (título, aliás, dado aos Patriarcas de Roma e de Alexandria) como último e, depois, como único recurso em matéria de Fé. Ora, isto era, é e será, completamente estranho à Tradição da Igreja dos Apóstolos, dos Mártires, dos Santos e dos Sete Concílios Ecumênicos”[15]
E também:
“Toda esta divergência de pontos de vista entre Roma, considerando-se única detentora da verdade e da autoridade, e as restantes Igrejas Irmãs, que desejavam manter-se fiéis ao espírito da Tradição herdada dos Apóstolos, acabou por resultar nos trágicos acontecimentos de 1054 e 1204 - no dia 16 de julho de 1054, os legados do Papa de Roma entraram na Catedral de Santa (em Constantinopla, capital do Império), um pouco antes de começar a Sagrada Liturgia, e depositaram em cima do altar uma bula que excomungava o Patriarca de Constantinopla e todos os seus fiéis. Esta separação oficial, decidida pela Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204, quando os cruzados, que se intitulavam cristãos, assaltaram Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram entrar as prostitutas que traziam consigo para dentro do santuário de Santa, sentaram uma delas no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar, que eram de prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla”
Essa ruptura se deu no século XI, rachando a Igreja visível no meio. Ao ser rachada ao meio, os romanos e os orientais passaram a brigar entre si pelo predomínio do nome “católico”, que, de fato, já não era mais apropriado a nenhum dos dois, visto que nenhum dos dois era mais “universal”. Do lado ocidental, os romanos passaram a dar o nome à sua igreja de “Igreja Católica Romana”, enquanto, do lado de lá, os orientais passaram a dar o nome à sua igreja de “Igreja Católica Ortodoxa”. Muito embora ambos briguem entre si até hoje pela detenção exclusiva do título de “católico”, a antiga Igreja Católica, como tal, já não existe. O que existe são fragmentos dela, que já não podem ser considerados pelo todo.
A igreja visível, em cujas partes já não andavam bem desde o século I, agora havia rachado de uma vez. É só então que a Igreja como um todo, pelo menos na perspectiva ocidental, é chamada de “Igreja Católica Apostólica Romana”, ainda que este título fosse completamente inexistente nos séculos anteriores, e mesmo que a doutrina ensinada na antiga Igreja Católica tivesse sido gradualmente modificada com o passar dos séculos, conflitante tanto em relação aos séculos mais remotos como também em relação às doutrinas ensinadas na Igreja do oriente.
Não obstante a igreja visível enfrentasse uma crise nunca antes vista em sua história, a igreja invisível nunca deixou de existir. Ao chegarmos aqui, é importante relembrarmos de passagem a história de Israel. Judeus tementes a Deus nunca deixaram de existir, embora houvesse épocas onde apenas sete mil deles permaneciam fieis, reunindo-se em grupos pequenos, quando o Israel visível (o Reino do Sul e o Reino do Norte) já havia se desviado para adorar falsos deuses. Da mesma forma, em uma época onde o “Reino do Ocidente” (Catolicismo Romano) e o “Reino do Oriente” (Catolicismo Ortodoxo) já haviam se desviado – cada qual à sua medida – ainda havia grupos minoritários de cristãos sinceros que mantinham a fé em Deus de uma forma pura e imaculada.
Dentre eles, podemos destacar os morávios, os valdenses, os hussitas, os anabatistas e outros grupos menores anônimos. O historiador Jesse Lyman Hurlbut afirmou:
"Depois que o Cristianismo se impôs e dominou em todo o império, o mundanismo penetrou na igreja e fez prevalecer seus costumes. Muitos dos que anelavam uma vida espiritual mais elevada estavam descontentes com os costumes que os cercavam e afastavam-se para longe das multidões. Em grupos ou isoladamente, retiravam-se para cultivar a vida espiritual”[16]
J. Cabral também discorre:
"Os verdadeiros cristãos, foram na realidade, marginalizados por não concordarem com tal situação, formando grupos à parte que sempre marcharam paralelos com a igreja favorecida e entremeada de pessoas que buscavam interesses políticos e sociais. Esses cristãos, por não aceitarem tal situação, no decurso da história, eram agora perseguidos pelos outros 'cristãos' e muitos dos seus líderes eram queimados na fogueira em praça pública”[17]
Os morávios, por exemplo, foram os maiores missionários que este mundo já viu. Embora fosse um grupo pequeno, eles passavam mais de dez horas orando e enviavam missionários para todas as partes do mundo – foi através deles que o evangelho chegou à Groelândia. Eles fundaram a primeira “casa de oração”, um local que tinha oração 24h por dia. Enquanto a Igreja papal usava seu império de morte para perseguir, torturar e executar cristãos considerados “hereges” pela Igreja, os morávios dobravam seus joelhos, oravam e evangelizavam.
Todos estes grupos menores, à semelhança dos sete mil joelhos que não se dobraram diante de Baal, eram constantemente perseguidos pelas forças maiores e mais poderosas. Foi desta forma que o concílio católico-romano de Tolosa (ano 1229) decidiu tratar aqueles que queriam ler a Bíblia:
“Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será severamente punido”[18]
Assim você já pode ter uma leve ideia do que foi a perseguição empregada contra estes grupos menores que se mantiveram fieis a Deus em meio à depravação geral. Idêntica à perseguição de Jezabel contra Elias e os únicos sete mil que haviam permanecidos fieis a Deus no antigo Israel (1Rs.19:18).
Em meio a esta depravação moral, que piorava cada vez mais (tanto doutrinariamente quanto moralmente), surgiram líderes que não tinham medo de proclamar em alto e bom som o evangelho puro e sincero em meio a um povo cego, surdo e mudo. O primeiro “reformador” conhecido foi John Wycliffe (1328-1384), que viveu em meio a uma época em que a Igreja ocidental perseguia, caçava e queimava a quem ousasse contrariar seus decretos papais. Ele teve a audácia de declarar que “o nosso papa é Cristo”, de se opor à riqueza excessiva da Igreja, de pregar uma vida de modéstia e de ensinar que devemos seguir a Bíblia sem as tradições humanas.
Percebendo que o povo permanecia na obscuridade, sem possuir as Escrituras, que eram severamente proibidas aos leigos (veja mais sobre isso aqui e aqui), ele decidiu traduzir a Bíblia para o inglês. Resultado: o Concílio de Constança declarou Wycliffe um “herege”, e ordenou que seus escritos fossem completamente queimados, bem como os seus restos mortais!
Se por um lado a Igreja papal chegou tarde demais para assassinar Wycliffe, só conseguindo queimar seus ossos, por outro lado eles tiveram mais sorte contra William Tyndale (1484-1536), que também cometeu o grande pecado de traduzir a Bíblia para o inglês, na intenção de que “todo menino de arado pudesse ler as Escrituras”. Resultado: ele foi preso pela Igreja papal. Mesmo na prisão, ele escreveu uma carta onde um de seus únicos desejos era continuar a tradução da Bíblia:
“Eu imploro a vossa senhoria que peça ao comissário que tenha a bondade de me enviar, das minhas coisas que estão com ele, um gorro mais quente, porque sinto muito frio na cabeça. Peço também que ele me envie um casaco mais quente, porque este que eu tenho é muito fino. Peço ainda que me mande um pedaço de pano para que eu possa remendar as minhas calças. Mas, acima de tudo, imploro que mande minha Bíblia em hebraico, meu dicionário de hebraico e minha gramática de hebraico, para que eu possa continuar o meu trabalho”
A Igreja papal queimou Tyndale em 1536. Enquanto as chamas devoravam o seu corpo, ele clamava: “Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra”. Naquele mesmo ano, as coisas mudaram na Inglaterra. O rei Henrique VIII rompeu com a Igreja Romana, e um ano após a morte de Tyndale as Bíblias traduzidas por ele começaram a ser distribuídas na Inglaterra com a aprovação do rei. Dois anos depois, quase todas as igrejas da Inglaterra tinham um exemplar da Bíblia de Tyndale em inglês. E, cinco anos mais tarde, as igrejas que não tinham a Bíblia de Tyndale passaram a ser multadas!
Outro importante reformador foi João Huss (1369-1415), que pregava o sacerdócio universal de todos os crentes, segundo o qual todas as pessoas podem se comunicar diretamente com Deus sem a necessidade de mediação dos padres ou santos. Resultado: foi queimado pela Igreja papal. Momentos antes de ser queimado, Huss profetizou ao carrasco:
“Vocês hoje estão queimando um ganso (Hus significa ‘ganso’ na língua boêmia), mas dentro de um século, encontrar-se-ão com um cisne. E este cisne vocês não poderão queimar”
A profecia se cumpriu 102 anos depois, quando Martinho Lutero veio reformar a Igreja, pregando suas 95 teses na catedral de Wittenberg. E enquanto era queimado vivo, Huss cantava um cântico a Deus.
Lutero não foi nem o primeiro reformador da Igreja, nem o último. A diferença é que o “cisne” escapou da morte ao ser surpreendido em uma emboscada armada por Frederico III, o príncipe-eleitor da Saxônia, que protegeu Lutero do imperador e do papa ao ordenar que o abrigassem no castelo de Wartburg, após a Dieta de Worms. Na época de Lutero, o desvio e corrupção da Igreja Romana já haviam chegado a um ponto absurdamente insustentável. De um lado, a inquisição tratava de dar um jeito nos hereges de uma forma ou de outra (geralmente, da outra), e do outro lado os vendedores de indulgências a serviço do papa literalmente roubavam os fieis ignorantes que pensavam realmente que “tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu]”[19], vendendo a salvação por dinheiro.
A Igreja ainda lucrava muito com a venda de relíquias sagradas. Os historiadores calculam que, durante o período medieval, a quantidade de pedaços de madeira da cruz de Cristo que foram vendidos era tanto que seria possível construir um navio de 22 pés de comprimento. Havia em igrejas católicas mais de 17 fêmures de jumentos que teriam ajudado Jesus, Maria e José na fuga para o Egito, e, acredite, oito crânios de João Batista na Alemanha! Isso ainda era pouco se comparado com as regiões da Itália e Suíça, onde havia onze pernas de André e nove braços de Estêvão.
Na Catedral de Colônia (Alemanha), em 1164, o arcebispo Reinaldo de Dassel expôs os corpos dos três reis magos. Eles também “encontraram” os corpos de Tiago (na Espanha), o manto que Jesus usava antes da crucificação, a túnica de Maria (na Catedral de Chartres), vários pedaços de pano que Jesus supostamente utilizava, garrafinhas com água do rio Jordão em que Jesus foi batizado, saquinhos com o pó no qual Adão foi criado(!) e, é claro, mais de 700 pregos da cruz de Cristo. Erasmo de Roterdã afirmou que com tantos pedaços da cruz de Cristo era possível construir um navio.
Foi este o contexto em que Lutero viveu e pregou. A salvação pela fé havia sido completamente abandonada pelos católicos romanos. A Igreja da época estava martelando no mesmo sentido das outras religiões: faça isso, e vá pro Céu. A fé estava se tornando um elemento secundário. Lutero restaurou o princípio mais básico do Cristianismo, de que o religare é pela fé, e esta fé só pode ser em alguém que cumpriu toda a lei vivendo uma vida perfeita – e este único que foi capaz de viver assim foi Jesus, o único totalmente santo. É a fé em Jesus que nos salva, e Jesus é o religare de Deus para com o homem. Isso é o que distingue o Cristianismo de todas as outras religiões do mundo.
Lutero não criou nenhuma Igreja, porque a verdadeira Igreja nunca deixou de existir, ainda que subsistisse nos grupos menores, liderados por pessoas como Huss, Wycliffe e Tyndale, assim como no antigo Israel apenas poucos milhares não haviam se desviado, estando sob a liderança de Elias e dos profetas. Paulo diz que “nem todos os descendentes de Israel são Israel” (Rm.9:6). Da mesma forma, podemos asseverar que nem todos os “sucessores dos apóstolos” são realmente cristãos. Jesus criticou os fariseus pela interpretação deles de que os “filho de Abraão” eram os da descendência natural (Jo.8:33). No lugar disso, Jesus ensinou que os verdadeiros descendentes de Abraão são os que praticam as obras que Abraão praticou (Jo.8:39).
Semelhantemente, os “sucessores dos apóstolos” não são aqueles que creem possuir uma linhagem natural de sucessão, ao maior estilo farisaico, mas sim aqueles que seguem o ensino dos apóstolos, que nos é legado nas Sagradas Letras. Em outras palavras, a apostolicidade e autenticidade de uma igreja visível não está condicionada a uma sucessão natural, mas espiritual. Os que buscam a Deus de todo o coração e guardam o testemunho de Jesus Cristo são os verdadeiros sucessores dos apóstolos, da mesma forma que os que praticavam as obras que Abraão praticava eram os verdadeiros “filhos de Abraão”, ainda que não fizessem parte da linhagem natural de Abraão.
Lutero primeiramente buscou reformar o sistema romano visível existente em sua época, já completamente corrompido em seus sincretismos pagãos e anticristãos. Ao perceber que reformar a Igreja Romana era uma verdadeira missão impossível, a única alternativa foi de fazer aquilo que o apóstolo Paulo já havia sugerido há séculos, dizendo:
“Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente? Que acordo há entre o templo de Deus e os ídolos? Pois somos santuário do Deus vivo. Como disse Deus: ‘Habitarei com eles e entre eles andarei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo’. Portanto, ‘saiam do meio deles e separem-se’, diz o Senhor. ‘Não toquem em coisas impuras, e eu os receberei, e lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas’, diz o Senhor Todo-poderoso” (2ª Coríntios 6:14-18)
Paulo não diz para continuarmos unidos com os idólatras e descrentes. Ele não diz para lutarmos de todas as formas para manter a unidade mesmo quando a verdade foi jogada na lata do lixo. Ao contrário: se a verdade foi desprezada, nossa obrigação é de “sair do meio deles”, se separar. Assim como um sócio desfaz a sociedade com alguém que se tornou desonesto, o monge Martinho Lutero rompeu ligações com uma Igreja Romana que já havia completado seu processo de paganização e apostasia, se tornando muito mais uma “sinagoga de Satanás” (Ap.2:9) do que uma Igreja do Deus vivo.
Assim como Lutero não foi o primeiro reformador, ele também não foi o último. Depois dele surgiram importantes reformadores como Calvino e Zwínglio, e, mais do que isso, novos reformadores são levantados até hoje, como John Wesley (1703-1791), o metodista que antecipou por décadas o final formal da escravidão com seus sermões evangélicos que influenciaram crentes como William Wilberforce (na Inglaterra) e Abraham Lincoln (nos Estados Unidos), responsáveis mais diretos pelo fim oficial da escravidão em seus países, além de revolucionar o conceito de santificação existente na Igreja até então.
E à semelhança de Wesley, creio que Deus continua levantando novos reformadores em nossos dias, assim como incessantemente levantava profetas na antiga aliança, para alertar e direcionar o povo nas questões que ainda são problemas críticos na Igreja atual. Um dos principais lemas da Reforma era Ecclesia reformata, semper reformanda (Igreja reformada, sempre reformando). A Igreja não é um museu de cadáveres incorruptos, mas um hospital vivo e sempre disposto para sarar as feridas do nosso século.
Na antiga aliança, Deus enviava profeta atrás de profeta, que eram sucessivamente perseguidos e mortos pelo Israel apóstata, que era a maioria na época (Mc.23:34-35). Na nova aliança, Deus enviou reformador atrás de reformador, que eram sucessivamente perseguidos e mortos pela Igreja apóstata, que era a maioria na época. Mas, assim como Jesus fez com os fariseus em seus dias, nós estaremos sempre prontos para refutar qualquer um que adiciona suas tradições à Escritura, que troca o Criador pela criatura e que corrompe o evangelho puro e simples, de devoção única e exclusivamente a Cristo (2Co.11:1-3), contra todas as formas de evangelho transgênico, sincretizado ou modificado. Estaremos sempre dispostos a “batalhar pela fé uma vez por todas confiada aos santos” (Jd 3).
Com Israel e com a Igreja, a história se repete. Mas temos uma promessa: por mais que igrejas visíveis (como Roma) possam se desviar, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja (Mt.16:18). Crentes sinceros e fieis sempre existirão até Jesus voltar. Satanás pode matar os profetas e reformadores, mas jamais poderá calar a mensagem deles, que é a Palavra de Deus. Resgatar este evangelho puro e original, exatamente da mesma forma em que era praticado, ensinado e vivido na Igreja primitiva é uma utopia? Talvez. Mas não custa nada tentarmos. Estamos aqui para isso.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
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[1] Concílio de Nicéia, Cânon VI.
[2] Sétimo Concílio de Cartago, presidido por Cipriano.
[3] Eusébio de Cesareia, HE, Livro V cap. XXIV.
[4] Eusébio de Cesareia, HE, Livro V, 24:16-17.
[5] Inácio aos Romanos, Saudações.
[6] Tertuliano, Contra Práxeas, 1.
[7] Epístola 74.
[8] De Viris Illustribus, 17.
[9] Jerônimo, Letter 146, To Evangelus, Cap.2.
[10] Homília sobre Castidade, Matrimônio e Família.
[11] Epístola XX a Maurício César (NPNF 2 12:170-171).
[12] Para ler mais sobre os Pais da Igreja contra o primado do bispo romano, recomendo a leitura do capítulo 19 do meu livro “A História não contada de Pedro”, disponível em: http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2013/10/meu-novo-livro-historia-nao-contada-de.html
[13] Tertuliano, De Baptismo. Um estudo mais elaborado sobre isso está disponível em: http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/04/o-batismo-infantil-foi-praticado-pela.html
[16] HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã, São Paulo: Editora Vida, 8ª edição, 1995, página 83.
[17] CABRAL, J. Religiões, Seitas e Heresias, Rio de Janeiro/RJ: 3ª edição, Universal Produções - Indústria e Comércio, página 75.
[18] Concil. Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229, Canons 14:2.
[19] Tese 27 de Lutero.
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