DISCURSO CONTRA OS GREGOS
(Taciano, o
Sírio)
1 Gregos, não vos mostreis tão inimigos dos bárbaros, nem julgueis
desfavoravelmente as suas doutrinas. Com efeito, qual das vossas instituições
não teve origem entre os bárbaros? Os mais famosos entre os telmísios
inventaram a adivinhação pelos sonhos; os cários, a previsão pelos astros; e os
vôos dos pássaros foram observados primeiro pelos frígios e os mais antigos dos
isáurios; os cipriotas encontraram a arte de sacrificar; os babilônios, a
astronomia; os persas, a magia; os egípcios, a geometria; os fenícios, o
conhecimento das letras. Cessai, portanto, de chamar invenções o que são puras
imitações. De fato, Orfeu vos ensinou a poesia e o canto, e também a iniciação
nos mistérios; os etruscos, a plástica; os egípcios, com suas tábuas dos
tempos, a compor histórias. De Mársias e Olimpo tomastes a arte da flauta e,
apesar de ambos serem frígios, com toda a sua rudeza, conseguiram extrair
harmonia do bambu. Os tirrenos vos ensinaram a trombeta; os ciclopes, a lavrar
metais; e uma mulher que, como disse Helânico, imperou outrora sobre os persas,
vos ensinou a compor cartas. Seu nome era Atosa. Portanto, deixai de lado esse
vosso orgulho e não frente a elegância de vossas palavras, vós que, ao
elogiar-vos a vós mesmos, tendes para vos aplaudir os de vossa própria casa. O
homem que possui inteligência deve esperar o testemunho dos outros e concordar
com eles quando fala. Acontece, porém, que só a vós sucede que não coincidis
nem em vossa maneira de falar.
Com efeito, os dórios não falam
como os atenienses, nem os eólios pronunciam como os jônios. Havendo, pois, tão
grande discussão entre vós onde não deveria existir, eu me acho em dúvida sobre
a quem deveria dar o nome de grego. O mais estranho de tudo é que favorecestes
expressões não castiças e, abusando de palavras bárbaras, transformastes a
vossa fala numa verdadeira algaravia. Por isso renunciamos à vossa sabedoria,
por mais que algum de nós tenha sido extremamente ilustre nela. De fato,
segundo o cômico, tudo isso não passa de "galhos secos, palavrório
afetado, escolas de andorinhas, corruptores da arte", e os que se deixam
dominar por isso sabem apenas roncar e emitir grasnados de corvos. A retórica
que compusestes para a injustiça e a calúnia, vendendo a peso de ouro a
liberdade de vossos discursos, e muitas vezes o que de imediato vos parece
justo, logo o apresentais como coisa não boa; a poesia, porém, vos serve para
cantar as lutas, os amores dos deuses, e a corrupção da alma.
2 Com a vossa filosofia, o que produzistes que mereça respeito?
Quem, dos que passam pelos mais notáveis ficou isento de arrogância? Diógenes,
com a bravata do seu barril, ostentava a sua independência; depois comeu um
polvo cru e, atacado por cólicas, morreu de intemperança; Arístipo, passeando
com o seu manto de púrpura, entregava-se à dissolução mantendo a aparência de
gravidade; Platão, com toda a sua filosofia, foi vendido por Dioniso por causa
de sua glutonaria. Aristóteles, que nesciamente estabeleceu limites para a
providência e definiu a felicidade pelas coisas de que ele gostava,. agradava
muito depressa o rapaz louco Alexandre que, por certo muito aristotelicamente,
colocou numa jaula um amigo seu porque este não quis adorá-lo, e o levava em
todo lugar como um urso ou um leopardo. Ao menos obedecia fielmente aos preceitos
do seu mestre, mostrando o seu valor e a sua virtude nos banquetes, e
atravessando com a sua lança o mais íntimo e querido de seus amigos, depois
chorando e negando-se a comer para fingir tristeza, a fim de não atrair o ódio
dos seus.
Também poderia rir-me dos que
até agora seguem as doutrinas de Aristóteles que, afirmando que as coisas aquém
da lua carecem de providência, apesar de estarem mais perto da terra do que a
lua e mais baixo do que o curso desta, elas provêm o que a providência não alcança;
os que não têm beleza, nem riqueza, nem força corporal ou nobreza de origem,
segundo Aristóteles também não possuem felicidade. Que estes continuem
filosofando.
3 Não posso aprovar Heráclito, quando diz:"Eu ensinava a mim
mesmo", por ser autodidata e também soberbo. Nem o louvaria por ter
escondido o seu poema no templo de Ártemis, para que depois a sua edição
ficasse envolta em mistério. Os que se interessam por essas questões dizem que
o poeta trágico Eurípedes foi lá, leu o livro e propagou de memória e com todo
empenho as trevas de Heráclito. Mas o que pôs em evidência a sua ignorância foi
o modo como morreu: atacado de hidropisia, e tratando a medicina como a
filosofia, envolveu-se com estrume de boi e, quando este endureceu, produziu
convulsões em todo o seu corpo e ele morreu de espasmo. Também se deve rejeitar
Zenão, quando ele afirma que por meio da conflagração universal os mesmos
homens ressuscitarão para as mesmas ações: Amito e Meleto para acusar Sócrates;
Busíris para matar seus hóspedes e Herácles para repetir seus trabalhos. Na
hipótese da conflagração, Zenão admite mais maus do que bons, pois houve apenas
um Sócrates e um Herácles e outros do mesmo tipo, que sempre foram poucos e não
muitos. Segundo ele, sempre haverá mais maus do que bons, e o próprio Deus
aparecerá como autor do mal ao ter que morar em cloacas, entre vermes e
malfeitores.
Quanto à charlatanice de
Empédocles, as erupções da Sicília demonstraram que, não sendo deus, ele mentia
dizendo que o era. Também me rio dos contos de velha de Ferecides e de
Pitágoras, que herda a sua doutrina, e de como Platão, embora alguns não o
queiram, imita um e outro. De fato, quem aprovaria o casamento de cão de um
Crates e não, de preferência, rejeitando a grande charlatanice de seus
seguidores, voltará a procurar o que é verdadeiramente bom? Não vos deixeis,
portanto, arrastar por esses bandos de pessoas que gostam mais do barulho do
que do saber e que dogmatizam coisas contraditórias, cada um dizendo o que lhe
vem à boca. São muitos os choques que acontecem entre eles, pois um odeia o
outro, criando doutrinas opostas por pura fanfarronice, desejando postos
eminentes. Seria melhor que, não se antecipando à realeza, não adulassem os que
mandam, mas esperasse que os grandes se aproximassem deles.
4 Gregos, por que vos empenhais, como em uma luta de pugilato, para
que as leis do Estado se choquem contra nós? Se eu não quero submeter-me a
certos costumes, por que tenho que ser odiado como ser mais abominável? O
imperador manda que lhe paguem tributos, e eu estou disposto a pagá-los; meu
amo me ordena que lhe obedeça e o sirva, e eu reconheço a minha servidão. De
fato, ao homem se deve honrar humanamente; temer, porém, só se deve temer a
Deus, que não é visível por olhos humanos, nem compreensível por qualquer arte.
Não estou disposto a obedecer, somente se me mandam negar a Deus; prefiro
morrer, para não ser condenado como embusteiro e ingrato.
Nosso Deus não tem princípio no
tempo, pois só ele é sem princípio e, ao mesmo tempo, princípio de todo 0 universo.
Deus é espírito, mas não aquele que penetra a matéria, e sim o criador dos
espíritos materiais e das formas da própria matéria; sendo invisível e
intangível, ele é o pai das coisas sensíveis e visíveis. Conhecemo-lo através
da criação e compreendemos o invisível do seu poder através de suas criaturas.
Não quero adorar a obra que, por amor a mim, foi feita por ele. Como declararei
deuses a madeira e as pedras? Porque o próprio espírito que penetra a matéria,
sendo como é inferior ao espírito divino e assimilado como está à matéria, não
deve ser honrado do mesmo modo que o Deus perfeito. Também não devemos
pretender ganhar com presentes o Deus que não tem nome, pois aquele que de nada
necessita, não deve ser rebaixado por nós à condição de um necessitado. Quero
expor com mais clareza a nossa doutrina.
5 Deus existia no princípio, mas nós recebemos da tradição que o
Princípio é a potência do Verbo. Com efeito, o Senhor do universo, que é por si
mesmo o sustentáculo de tudo, enquanto a criação não tinha ainda sido feita,
estava só. Mas enquanto estava com ele toda a potência do visível e invisível
ele próprio sustentou tudo consigo mesmo, por meio da potência do Verbo. Por
vontade de sua simplicidade sai o Verbo e o Verbo, que não cai no vazio, gera a
obra primogênita do Pai.
Sabemos que ele é o princípio do
mundo, mas produziu-se não por divisão, e sim por participação. De fato, o que
se divide, fica separado do primeiro, mas o que se faz por participação, tomando
caráter de uma dispensação, não deixa em falta aquilo de onde se toma. Da mesma
forma que de uma só tocha se acendem muitos fogos, mas o fato de acender muitas
tochas não diminui a luz da primeira, assim também o Verbo, procedendo da
potência do Pai, não deixou sem razão aquele que o havia gerado. E assim que eu
mesmo estou falando e vós me escutais e certamente não porque a minha palavra
passe a vós eu fico vazio de palavras ao conversar convosco. Ao emitir a minha
voz, eu me proponho ordenar a matéria que está desordenada em vós. Da mesma
forma que o Verbo, gerado no princípio, depois de fabricar a matéria, gerou por
sua vez ele próprio para si mesmo a nossa criação, também eu, regenerado à
imitação do Verbo e compreendido que tenho a verdade, trato de organizar a
confusão da matéria cuja origem participo. Com efeito, a matéria não é sem
princípio como Deus, nem por ser princípio é igual a Deus em poder, mas foi
criada e não foi criada por outro, e sim por aquele que é criador de todas as
coisas.
6 Por isso, também cremos que acontecerá a ressurreição dos corpos
depois da consumação do universo, não como dogmatizam os estóicos, segundo os
quais as mesmas coisas nascem e perecem depois de determinados períodos
cíclicos, sem utilidade nenhuma, mas de uma só vez. Totalmente acabados os
tempos que vivemos, dar-seá a reintegração de todos os homens por razão do
julgamento. Então seremos julgados não por Minos ou Radamante, antes de cuja
morte, como dizem os mitos, nenhuma alma era julgada, mas o juiz é o próprio
Deus que nos criou. Por mais que nos considereis charlatães e palhaços, nada
disso nos importa, depois que cremos nesta doutrina. Com efeito, do mesmo modo
como, não existindo antes de nascer, eu ignorava quem eu era e só subsistia na
substância da matéria carnal-mas uma vez nascido, eu, que antes não existia,
acreditei em meu ser pelo nascimento-assim também eu, que existi e que pela
morte deixarei de ser e outra vez desaparecerei da vista de todos, novamente
voltarei a ser como não tendo antes existido e portanto nasci. Mesmo que o fogo
destrúa a minha carne, o universo recebe a matéria evaporada; se me consumo nos
rios ou no mar, ou sou despedaçado pelas feras, permaneço depositado nos
tesouros de um senhor rico. O pobre ateu desconhece esses depósitos, mas Deus,
que é rei, quando quiser, restabelecerá em seu ser primei ro a minha
substância, que é visível apenas para ele.
7 O Verbo celeste, espírito que vem do Espírito e Verbo da potência
racional, à imitação do Pai que o gerou, fez o homem imagem da imortalidade, a
fim de que, como em Deus existe a incorruptibilidade, assim o homem,
participando da porção de Deus, possua o ser imortal. Entretanto, o Verbo,
antes de criar os homens, foi artífice dos anjos, e algumas criaturas foram
feitas livres, sem ter em si a natureza do bem (que não existe senão em Deus),
mas que se realiza através dos homens, graças à liberdade de escolha. Desse modo,
o mau é castigado justamente, pois se tornou mau por sua própria culpa; o justo
é merecidamente louvado por suas obras, pois não transgrediu a vontade de Deus,
embora por seu livre-arbítrio pudesse fazer isso. Essa é a nossa doutrina sobre
os anjos e os homens.
Todavia, como a virtude do Verbo
tem em si a presciência do futuro, não por fatalidade do destino, mas por livre
determinação dos que escolhem, predisse os acontecimentos futuros, freou a
maldade por suas proibições e louvou os que perseveram no bem. Aconteceu,
porém, que os homens e os anjos seguiram e proclamaram Deus àquele que, por ser
criatura primogênita, superava os demais em inteligência, justamente ele que se
havia revelado contra a lei de Deus. Então a virtude do Verbo negou a sua convivência
não só ao que se tornara cabeça desse louco orgulho, mas também a quantos o
haviam seguido. E o homem, que tinha sido criado à imagem de Deus, apartando-se
dele o espírito mais poderoso, tornou-se mortal e aquele que fora primogênito,
por sua transgressão e insensatez, foi declarado demônio, e os que imitaram
suas fantasias se transformaram no exército dos demônios que, por razão de seu
livre-arbítrio, foram entregues à própria perversidade.
8 O objeto da perversão deles são os homens, pois, mostrando-lhes,
como os jogadores de dados, uma tábua com a descrição da posição dos astros,
introduziram o destino, "império" extremamente injusto, porque foram
produzidos conforme o destino tanto o que julga como aquele que é julgado; os
que assassinam e os que são assassinados, os ricos e os pobres, todos são
gerados pelo próprio destino; e todo nascimento, como no teatro, provoca prazer
para aqueles entre os quais, como diz Homero: "Gargalhada inextinguível se
levantou entre os deuses afortunados".
Os que estão contemplando a luta
corpo a corpo, quando um favorece a outro, e aquele que se casa e corrompe os
jovens, adultera e ri, irrita-se, foge e é ferido, de que modo não será
considerado mortal? Com efeito, pelas mesmas ações com as quais os deuses
mostraram aos homens de que natureza eram, incitaram aqueles que as ouviram a
praticar coisas semelhantes. Não é assim que os próprios demônios, com seu
capitão Zeus à frente, caíram também sob o destino, ao serem dominados pelas
mesmas paixões que os homens? Por outro lado, como honrar aqueles entre os
quais existe tal contrariedade de pareceres? De fato, Rea, a quem os habitantes
das montanhas da Frígia chamam Cibele, por causa de seu querido Átis, erigiu em
lei a mutilação dos órgãos viris; Afrodite, em troca, se compraz nos braços do
matrimônio; Ártemis entrega-se à magia; Apolo, à medicina.
Depois de cortada a cabeça de
Gorgo, a querida de Posêidon, da qual brotou o cavalo Pégaso e Crisador, Atena
e Asclépio repartiram as gotas de sangue; com elas, Asclépio curava e Atena,
com as mesmas gotas, transformou-se em assassina de homens. Creio que os
atenienses, não a querendo desonrar, atribuem o fruto de sua união com Hefesto
à terra, para que não se pense que, como aconteceu com Atalanta e Meleagro,
também Atena tenha sido privada de sua honradez, por Hefesto. Com efeito, é
natural que o coxo de ambos os pés, que fabrica broches e braceletes flexíveis,
seduzira com esses adornos femininos a menina sem pai e órfã Posêidon é
navegante; Ares se compraz nas guerras; Apolo tange a cítara; Dioniso é tirano
dos tebanos; Crono é tiranicida; Zeus se une com sua própria filha e esta
concebe de seu pai. Agora me dará testemunho Elêusis, a serpente mística e
Orfeu, que grita: "Fechai as portas aos profanos".
Aidoneo rapta Coré e seus feitos
se transformaram em mistérios. "Deméter chora sua filha", e muitos se
deixam enganar pelos atenienses. No sagrado recinto do filho de Leto há um
ponto que se chama o Umbigo e o Umbigo é a sepultura de Dioniso. Agora, louvo a
ti, Dáfne, que depois de vencer a intemperança de Apolo, confundiste a sua arte
divinatória, pois não sabendo de antemão o que seria de ti, de nada lhe serviu
a sua arte. Diga-me agora o Flecheiro certeiro como Zéfiro matou Jacinto.
Zéfiro o venceu. Apesar de o trágico dizer: "A aura é o carro mais
glorioso dos deuses", vencido por uma leve aura, perdeu o seu querido.
9 Tais são os demônios que definiram ou fixaram o destino numa
tábua, e seu primeiro elemento foi a descrição dos animais. Com efeito, aqueles
que se arrastam pela terra, os que nadam nas águas e os que andam de quatro
pelos montes, com os quais eles passaram a vida ao serem expulsos da vida do
céu; a todos esses consideraram dignos da honra celeste, em parte para fazer
crer que eles ainda vivem no céu, e em parte para justificar como racional,
através de sua colocação nas estrelas, a conduta irracional que tinham sobre a
terra. Dessa forma, o colérico e o sofrido, o temperante e o intemperante, o
pobre e o rico dependem dos demônios que estabeleceram a lei do seu horóscopo.
Com efeito, a configuração do círculo do Zodíaco é obra de seus deuses e a luz
de um deles, quando predomina, triunfa sobre todos os outros, embora aquele que
agora foi derrotado costume, mais adiante, vencer. Mas os que se divertem com
eles são os sete planetas, como aqueles que jogam os dados.
Nós, porém, somos superiores ao
destino e, ao invés de demônios errantes, reconhecemos um só Senhor inerrante,
e aqueles de nós que são conduzidos pelo destino, rejeitaram aqueles que
estabeleceram suas leis. Por Deus, dizeme: "Triptólemo semeou o trigo e
depois de seu luto Deméter se transforma em benfeitora dos atenienses? Então,
por que, antes de perder a sua filha, ela não foi benfeitora dos homens? No céu
se mostra o cão de Erígona, o escorpião que ajudou Ártemis, a metade da nave
Argos, o centauro Quíron, e o urso de Calisto. Então, como é que o céu estava
sem ornamento antes que todos esses ocupassem seus postos? A quem não parecerá
ridículo que a letra delta se tenha colocado entre os astros, segundo alguns
por causa da forma da Sicília e, segundo outros, por ser o primeiro elemento do
nome de Zeus? Então, por que Sardenha e Chipre não são honradas no céu? Porque
não se colocaram também entre os astros os monogramas dos irmãos de Zeus, que
com ele repartiram os reinos? Por fim, de que modo Cronos, que foi acorrentado
e expulso do seu reino, foi constituído administrador do destino? Como pode dar
reinos aquele que já não é rei? Deixai, pois, tanta ignorância e não cometais
uma iniqüidade, odiando-nos injustamente.
10 Atribuem-se aos homens transformações fabulosas, mas entre vós
até os deuses se transformam. Rea se transforma em árvore e, por causa de
Persífone, Zeus se transforma em serpente; as irmãs de Faetonte em choupos, e
Leto num animal vil, codorniz, pela qual a atual Delos se chama Ortígia. Por tua
vida, dize-me: Deus se transforma em cisne, toma a forma de águia e, para ter
Ganimedes como copeiro, se orgulha de sua pederastia? Como posso cultuar deuses
que se deixam subornar pelos presentes e que se irritam quando não os recebem?
Que eles se acertem com o destino, porque eu não estou disposto a adorar os
planetas. Que significam essas madeixas de Berenice? Onde estavam as estrelas
de sua constelação antes de ela morrer? De modo que Antínoo, um belo rapaz, foi
colocado na lua depois de morto? Quem o levou até lá?
Certamente também a este, como
aos imperadores, alguém que se ria dos deuses disse, com perjúrio pago, que o
havia visto subir ao céu, e foi acreditado e, por ter feito Deus semelhante a
si mesmo, foi tido como merecedor de honra e prêmio. Com que direito
despojastes o meu Deus? Por que desonrais a sua criação? Matas uma ovelha e
depois a adoras. O touro está no céu e degolas a sua imagem. O Ingenículo
procura exterminar um animal nocivo e, em troca, tributa honra à águia, que
devora Prometeu, plasmador do homem. O cisne é formoso por ter sido adúltero,
formosos também são os Dióscuros, raptores das filhas de Leucipo, que alternam
um em cada dia da vida. Melhor é Helena, que abandonou Menelau, de cabelos
loiros, e seguiu Páris, rico em ouro e mitrado; justo e discreto, foi ele que
transportou essa prostituta para os Campos Elísios, Porém não, tampouco a filha
de Tindaro foi tornado imortal, com razão Eurípedes encenou a morte de tal
mulher, levada a cabo por Orestes.
11 Portanto, como vou reconhecer o horóscopo do nascimento, quando
vejo tais administradores do destino? Sou eu que não quero ser rei; sou eu que
não busco a riqueza, recuso o comando militar, odeio a fornicação, não me
dedico à navegação levado por cobiça insaciável, não sou atleta para ser
coroado, fujo da vanglória, desprezo a morte, coloco-me acima de qualquer
doença, não deixo que a tristeza consuma a minha alma; sou eu que, sendo
escravo, suporto a escravidão ou, sendo livre, não me orgulho de minha nobreza.
Vejo que apenas um é sol para todos e que também existe uma só morte, ora
através do prazer, ora através da indigência. O rico semeia e o pobre participa
da mesma colheita; os ricos morrem e os mendigos têm o mesmo fim da vida.
Os ricos e os que, por sua
aparente glória, conseguem as honras necessitam de muitas coisas; mas o pobre e
modesto, que não deseja mais do que está a seu alcance, consegue isso com mais
facilidade. Para que passar a noite em vigília, cumprindo teu destino através
da avareza? Para que, para cumprir teu destino, mil vezes preso de teus
instintos, mil vezes morrer? Morre para o mundo renunciando à tua loucura. Vive
para Deus, recusando, através do teu conhecimento, teu velho horóscopo. Nós não
fomos criados para a morte, mas morremos por nossa própria culpa. A liberdade
nos deixou; nós que éramos livres, nos tornamos escravos; fomos vendidos pelo
pecado. Deus não fez nada mau; fomos nós que produzimos a maldade; nós que a
produzimos, porém somos também capazes de recusá-la.
12 Conhecemos duas espécies de espíritos: um, que se chama alma, e
outro que é superior à alma, por ser imagem e semelhança de Deus. Um e outro
existiam nos primeiros homens, para que, de um lado, fossem materiais e de
outro, superiores à matéria. A coisa se explica assim: é fácil de constatar que
toda a construção do mundo e a criação inteira éfeita de matéria e que a
própria matéria foi produzida por Deus. Deve-se pensar que, antes que os elementos
dela fossem separados, a matéria era indefinida e informe, mas ficou ordenada e
bela depois da divisão. Portanto, o céu é de matéria e também suas estrelas; a
terra e todo vivente que é produzido sobre ela têm a mesma constituição, de
modo que o nascimento de todos é comum. Embora isso seja assim, há certas
diferenças nas coisas materiais, de maneira que algumas são particularmente
belas; embora também sejam belas, são inferiores a belezas superiores.
O corpo é de constituição única
e a causa de sua existência é a mesma, e mesmo sendo assim, existem nele
diferenças de glória. De fato, um é o olho, outra a orelha, outro 0 ornamento
dos cabelos, a disposição das entranhas, a junção das medulas, os ossos e os
nervos. Contudo, mesmo uma parte sendo diferente da outra, existe harmonia
entre elas por causa da dispensação de concórdia. De maneira semelhante, também
o mundo, segundo o poder de quem o fez, tem alguns elementos mais esplêndidos e
outros menos e, por vontade de seu Criador, recebeu parte do espírito material.
Isso será possível ser entendido em pormenores a quem, de maneira vã, não
despreze os diviníssimos ensinamentos que, conforme os tempos, foram postos por
escrito e que tornaram absolutamente gratos a Deus os que lhes deram atenção.
Igualmente, também os que vós
mesmos chamais de demônios, por terem a constituição da matéria e possuírem
espírito que dela procede, converteram-se em luxuriosos e gulosos. De fato, só
alguns deles se dirigiram para o mais puro, enquanto outros escolheram o
inferior da matéria e tiveram conduta conforme a ela. Gregos, estes são aqueles
que vós adorais, apesar de terem sido feitos de matéria e se encontrarem muito
distantes de qualquer disciplina. Com efeito, os supracitados, entregues à
vanglória pela sua estupidez, soltas todas as rédeas, decidiram ser salteadores
da divindade. Mas o Senhor do universo os deixa entregues à própria soberba até
que o mundo, chegado a seu termo, se dissolva e venha o juiz, e todos os homens
que, após a rebelião dos demônios, aspiraram ao conhecimento do Deus perfeito
recebam no dia do julgamento o mais perfeito testemunho, por causa de seus
próprios combates.
Portanto, existe espírito nas
estrelas, espírito no anjos, espírito nas palavras, espírito nos homens,
espírito nos animais; no entanto, sendo um e o mesmo, contém em si diferenças.
E nós dizemos isso não só com a língua, nem por meras razões verossímeis, nem
por especulações e confusão sofista, mas valendo-nos de discursos de grande
expressão divina. Vós que desejais aprender, apressai em aproximar-vos. E vós
que não desdenhais nem mesmo cita Anarcasis, não desdenheis também em ser
instruídos por aqueles que professam uma religião bárbara. Fazei de nossa
doutrina pelo menos o uso que fazeis da mântica babilônia; escutai-nos pelo
menos como escutais o carvalho fatídico, embora tudo isso seja invenção de
demônios extraviados. Contudo, as doutrinas de nossa ciência estão além da
compreensão mundana.
13 Gregos, a nossa alma não é imortal por si mesma, mas mortal;
ela, porém, é também capaz de não morrer. Com efeito, ela morre e se dissolve
com o corpo se não conhece a verdade; ressuscita, porém, novamente com o corpo
na consumação do tempo, para receber, como castigo, a morte na imortalidade.
Por outro lado, não morre, por mais que se dissolva com o corpo, se adquiriu
conhecimento de Deus. Porque, de si, a alma é treva e nada de luminoso há nela,
e é isso o que sem dúvida significam as palavras: "As trevas não
apreenderam a luz". Não é a alma que salva o espírito, mas é salva por
ele, e a luz apreendeu as trevas, no sentido que o Verbo é a luz de Deus e a
alma ignorante é treva. Por isso, quando vive só, inclina-se para a matéria,
morrendo juntamente com a carne, mas formando parelha com o espírito de Deus,
já não carece de ajuda e se ergue às regiões onde o Espírito a guia.
De fato, a morada do Espírito
está no alto, mas a origem da alma é embaixo. Originariamente, o espírito
habitava junto com a alma, mas, não querendo segui-lo, o espírito a abandonou e
ela, que conservava como que um resplendor de seu poder, mas pela separação já
não era capaz de contemplar o perfeito, na sua busca de Deus, representou para
si, por extravio, uma multidão de deuses, seguindo aos demônios enganadores. O
espírito de Deus, porém, não está em todos os homens, mas somente desce para
alguns que vivem justamente e, estreitamente abraçado à alma, anuncia, por meio
de predições, o escondido para as demais almas. E aquelas que obedecem à
sabedoria, atraem para si mesmas o espírito que lhes é congênito. Todavia, as
que não obedecem, mas recusam aquele que é mensageiro do Deus que sofreu,
mostram-se almas que fazem guerra a Deus, e não são religiosas.
14 Também vós sois assim, gregos, elegantes no falar mas loucos no
pensar, pois chegastes a preferir a soberania de muitos deuses em vez da
monarquia de um só Deus, como se acreditásseis estar seguindo demônios
poderosos. Com efeito, assim como os salteadores, por sua desumanidade, costumam
audaciosamente dominar os seus semelhantes, também os demônios, depois de fazer
as vossas almas abandonadas se desviarem no lodaçal da maldade, as enganaram
por meio de ignorâncias e fantasias. É fato que eles não morrem facilmente,
pois não têm carne; mas, vivendo, praticam ações de morte, e também eles morrem
tantas vezes quantas ensinam a pecar aqueles que os seguem.
Portanto, a vantagem que agora
têm sobre os homens, isto é, não morrer de modo semelhante a eles, esse mesmo
fato lhes será mais amargo quando chegar a hora do castigo, pois não terão
parte na vida eterna participando dela, em lugar da morte na imortalidade. E
como nós, para quem morrer é agora um acidente tão fácil, receberemos depois a
imortalidade junto com o gozo, ou a pena junto com a imortalidade, também os
demônios que abusam da vida presente para pecar a todo momento, e que durante a
vida estão morrendo, terão depois a mesma imortalidade que os homens que
deliberadamente realizaram tudo o que eles lhes impuseram como lei durante o tempo
em que viveram. Não digamos nada sobre o fato de que, entre os homens que os
seguem, aconteceu menos espécies de pecados por não viverem longo tempo,
enquanto nos citados demônios o pecado se prolonga muito mais, em razão do
tempo indefinido da sua vida.
15 E preciso, portanto, que daqui para a frente busquemos novamente
aquilo que já tivemos e perdemos: unir a nossa alma com o espírito santo e
cuidarmos para que ele forme uma parceria com Deus. Entretanto, a alma dos
homens compõe-se de muitas partes, e não de uma só; ela é composta, de modo que
se manifesta por meio do corpo. Com efeito, nem a alma poderia por si mesma
jamais se manifestar sem o corpo, e nem a carne ressuscita sem a alma. O homem
não é, como dogmatizam os que têm voz de gralhas, animal racional, capaz de
inteligência e ciência, pois, segundo eles, pode-se demonstrar que também os
irracionais são capazes de inteligência e ciência. Contudo, só o homem é imagem
e semelhança de Deus, e chamo homem não ao que realiza ações semelhantes aos
animais, mas àquele que, indo além da humanidade, chega até o próprio Deus.
Esse ponto já foi mais tratado
mais em pormenores por nós em nosso Sobre os animais. O que agora nos interessa
dizer é que natureza é a imagem e semelhança de Deus. 0 incomparável não é outra
coisa que o ser em si mesmo, e o que se compara também não é outra coisa que o
ser parecido. O Deus perfeito está isento de carne; o homem, porém, é carne; o
vínculo da carne é a alma e o que a alma retém é a carne. E se tal espécie de
constituição funciona como templo, Deus quer nele habitar por meio do Espírito,
que é o seu legado; mas se não étal santuário, o homem não se avantaja aos
animais a não ser por sua voz articulada; no restante, não sendo imagem de
Deus, a sua vida não se diferencia da deles. Os demônios, porém, não têm carne,
mas possuem estrutura espiritual, como a do fogo ou do ar.
E por isso que os corpos dos
demônios são visíveis apenas para aqueles que são dotados do espírito de Deus;
para os outros, isto é, para os psíquicos, de modo nenhum, pois o inferior não
tem força para compreender o superior. Esta é, portanto, a razão pela qual, a
essência dos demônios não admite lugar para a penitência, pois são reflexos da
matéria e da maldade, e a matéria quis dominar a alma; e, conforme o seu
livrearbítrio, os demônios deram aos homens leis de morte; mas os homens,
depois de perderem a imortalidade, com sua morte pela fé, venceram a morte e,
por meio da penitência, foi-lhes outorgado o dom de uma nova vocação, conforme
a palavra que diz: "Pois por um pouco de tempo foram tornados inferiores
aos anjos". De fato, é possível para todo aquele que foi vencido vencer
por sua vez, contanto que rejeite a constituição da morte, e qual seja esta é
fácil de ver para aqueles que desejam a imortalidade.
16 Os demônios que dominam os homens não são as almas dos mortos.
Com efeito, como podem ser capazes de agir depois de mortos? A não ser que
creiamos que, enquanto vive, um homem é ignorante e impotente e, depois que
morre, recebe daí para a frente um poder mais eficaz. Isso, porém, não é assim,
como já demonstramos em outro lugar, nem é fácil compreender como a alma
imortal, impedida pelos membros do corpo, se torne mais inteligente quando se
separa dele. Não. São os demônios aqueles que, por sua maldade, se enfurecem
contra os homens e, com variadas e enganosas representações, desviam os
pensamentos dos homens, já por si inclinados para baixo, a fim de torná-los
incapazes de empreender a sua marcha de ascensão para os céus. Mas nem a nós
ficam ocultas as coisas do mundo nem a vós será difícil compreender as divinas,
contanto que chegue até vós a potência do Verbo que imortaliza a alma.
Mas os demônios também são
vistos pelos psíquicos, quando eles se mostram a si mesmos para os homens, seja
para serem considerados, seja para lhes causar algum dano como a inimigos -
pois são amigos de muito más intenções -,seja, finalmente, a fim de procurar
pretexto para o seu culto aos que lhes são semelhantes. Se estivesse em seu
poder, eles, sem dúvida, poriam o céu abaixo junto com toda a criação; se agora
não fazem isso é porque não podem; mas com a matéria inferior fazem guerra à
matéria que é semelhante a eles. Quem, portanto, quiser vencê-los, rejeite a
matéria, pois, armado com a couraça do espírito celeste, será capaz de salvar
tudo o que por ela foi recoberto.
Existem também doenças e
rebeliões em nossa própria matéria, e os demônios, quando nos sobrevém a dor,
atribuem a si mesmos as causas delas. Há também vezes em que eles próprios, por
causa da tempestade da sua própria maldade, agitam o estado do nosso corpo,
mas, feridos pela palavra do poder de Deus, saem temerosos, e o doente fica
curado.
17 O que vamos dizer das simpatias e antipatias de Demócrito, a não
ser que, conforme o dito popular, esse homem de Abdera fala abderiticamente? E
como aquele que deu nome à cidade que, segundo dizem, era amigo de Herácles,
foi devorado pelos cavalos de Diomedes; de modo semelhante, aquele que se
gloria do sábio Ostanes, no dia da consumação será entregue como pasto do fogo
eterno. E vós também, se não puserdes fim ao vosso riso, sofrereis os mesmos
castigos que os feiticeiros. Por isso, ó gregos, escutai-me! Eu vos grito como
que do céu, e não queirais com vossas zombarias voltar à vossa falta de razão
contra o arauto da verdade. Não há doença que possa ser expulsa por meio da
antipatia, nem louco que se cure amarrando-se com tiras de couro.
São ataques dos demônios, e
aquele que está doente, aquele que diz estar enamorado, aquele que odeia,
aquele que quer se vingar, são tomados como auxiliares. A maneira do seu
artifício é a seguinte. Os caracteres das letras e das linhas por elas formadas
não podem por si mesmas expressar o sentido da frase, mas são sinais que os
homens inventaram para expressar seus pensamentos; é preciso conservar a ordem
das letras, conhecendo por sua posição o sentido que lhes foi determinado. Do
mesmo modo, nas variedades de raízes, nem as receitas de nervos e ossos têm
alguma eficácia por si mesmas, mas são símbolos da maldade dos demônios, os
quais determinaram que tenha força cada uma dessas coisas. Vendo que os homens
aceitam o serviço que tais meios lhes proporcionam, atribuindo-o a si mesmos,
fazem dos homens seus escravos.
Mas como pode ser bom
colocar-se a serviço de adultérios? Como pode ser honroso que alguns corram em
auxílio daqueles que odeiam? Como pode ser moral atribuir a cura dos loucos à
matéria e não a Deus? Toda a sua astúcia se orienta para apartar os homens da
religião, fazendo-os crer em ervas e raízes. E o próprio Deus, se tivesse
ordenado essas coisas, para fazer o que os homens desejam, seria autor de ações
más; todavia, como ele é autor de tudo o que de qualquer forma é bom, e a
intemperança dos demônios abusa das coisas do mundo para fazer mal, também a
eles deve ser atribuída essa espécie de maldade, e não ao Deus perfeito. De
fato, como é possível que, não tendo eu sido absolutamente mau enquanto vivi,
os meus restos, depois de morto, sem eu fazer nada, os meus restos, que já não
se movem nem sentem, realizem alguma coisa sensível? Como aquele que morreu com
a mais desastrosa morte poderá ajudar alguém a se vingar? Com efeito, se fosse
capaz, muito melhor vingaria a si mesmo contra o seu próprio inimigo, pois
aquele que pode ajudar a outros, com muita maior razão poderá fazer justiça a
si mesmo.
18 A arte dos medicamentos, em todas as suas espécies, tem a mesma
artimanha. Com efeito, se alguém se cura por meio da matéria, crendo nela,
curar-se-á muito melhor dirigindo-se ao poder de Deus, pois da mesma forma que
os venenos são composições materiais, da mesma natureza são também os
medicamentos curativos. Contudo, até quando rejeitamos a matéria claramente má,
não faltarão muitas vezes pessoas que se dediquem a curar, misturando algo mau
com o que é bom e, definitivamente, até para fins bons, valem-se de meios maus.
Assim como aquele que se assenta para comer com um ladrão, ainda que não o
seja, todavia, pelo fato de participar de sua mesa, participa também de seu
castigo, da mesma forma, aquele que sem ser mau se mistura com o mau e o
emprega para um suposto bem, será castigado por essa comunicação pelo mesmo
Deus que julga o mau.
E por que razão aquele que crê na
dispensação da matéria não quer acreditar em Deus? Por que não recorres ao
Senhor mais poderoso e te curas a ti mesmo, como o cão com as ervas, o cervo
pela víbora, o porco por meio dos caranguejos dos rios e o leão pelos macacos?
Por que divinizas os elementos do mundo? Por que, ao curar o teu próximo, és
chamado de seu benfeitor? Segue a potência do Verbo. Os demônios não curam, mas
com seus artifícios procuram escravizar os homens e, com razão, o admirável
Justino disse que se assemelhavam aos bandidos. Com efeito, assim como estes
têm por costume colher vivos alguns e depois os devolvem aos seus a preço de
ouro, também esses supostos deuses visitam os membros de alguns e depois, em
vista de sua própria glorificação, por meio de sonhos, mandam que os enfermos
se apresentem publicamente diante de todo mundo e, depois de ter recebido os
louvores, saem voando dos enfermos e, pondo fim à doença que eles mesmos
causaram, restituem os homens ao seu primeiro estado.
19 Vós, porém, que não tendes conhecimento dessas coisas,
aprendei-as de nós, que as conhecemos, e terminai agora de apregoar que
desprezais a morte e praticais a frugalidade. O fato é que vossos filósofos
estão tão distantes de semelhante ascese, que alguns recebem anualmente do
imperador romano seiscentas moedas de ouro, as quais não têm outra finalidade
útil, nem mesmo para cortar gratuitamente a longa barba. Ao menos Crescente,
que colocou o seu ninho na grande cidade, sobrepujava a todos em pederastia e
não tinha outro objetivo além do dinheiro; ele que aconselhava a desprezar a
morte, de tal maneira a temia, que maquinou dá-Ia a Justino e também a mim,
como se fosse um mal, porque, pregando a verdade, ele desmascarava os filósofos
como glutões e embusteiros. E quem tinha a obrigação de perseguir o filósofo,
senão exatamente vós?
Se dizeis, coincidindo com
nossas doutrinas, que não se deve temer a morte, não morrais por vanglória
humana, como Anaxarco, mas tornai-vos desprezadores da morte, por causa do conhecimento
de Deus. De fato, a feitura do mundo é boa, mas a conduta que nele se leva é
má, e é fácil ver como em mercado público aplaudis teatralmente aos que não
conhecem a Deus. Com efeito, o que é a mântica? Como te deixas extraviar por
ela? Ela é para ti ministra das cobiças que imperam no mundo. Queres fazer
guerras, e tomas Apolo como conselheiro de tuas matanças. Queres raptar uma
donzela, e te propões que a divindade venha em tua ajuda. Estás enfermo por tua
culpa e, como Agamenon pedia dez conselheiros, assim queres que outros tantos
deuses estejam a teu lado.
Uma mulher que bebe água
enlouquece, e com os perfumes de incenso sai de si mesma, e tu dizes que ela
adivinha. Apolo foi profeta e mestre de adivinhos e, no entanto, Dafne o
enganou. Por tua vida, dize-me: Como é que um carvalho adivinha, pássaros
predizem o futuro, e tu és inferior às plantas e pássaros? Portanto, seria bom
que te convertesses em árvore fatídica e tomasses as asas dos habitantes do ar.
Aquele que te torna avaro é o mesmo que te Vaticana como enriquecer-te; aquele
que provoca sedições e batalhas, esse mesmo te profetiza a vitória na guerra.
Se te tornasses superiores às tuas paixões, desprezarias tudo o que existe no
mundo.Nós somos assim, e não deveis odiar-nos; ao contrário, rejeitando os
demônios, seguir somente aquele que é Deus. Tudo foi por ele, e nada foi feito
sem ele; se no mundo criado existe algo nocivo, isso sobreveio por causa dos
nossos pecados. Posso mostrar-vos toda a economia disso. Escutai-me, e aquele que
crer o compreenderá.
20 Mesmo que te cures por medicamento (concedo-te isso apenas por
cortesia), deves também dar testemunho a Deus. De fato, o mundo ainda nos
arrasta para baixo, e por causa da minha fraqueza busco a matéria. As asas da
alma são o espírito perfeito, e quando o pecado tirou-lhe o espírito, a alma
ficou pairando como um pássaro implume, veio arrastar-se por terra e, por ter
saído da convivência celeste, desejou a convivência das coisas inferiores. Com
efeito, os demônios foram arrancados de sua morada, e nossos primeiros pais
foram desterrados: aqueles foram expulsos do céu; estes da terra, mas não de
uma terra como esta, e sim de uma outra de melhor constituição. É dever nosso,
suspirando antecipadamente pelo primitivo, rejeitar tudo o que é impedimento
para recuperá-lo. De fato, ó homem, o céu não é ilimitado, mas finito e
limitado.
Todavia, o que está além dele
são éons ou tempos melhores, que não sofrem a variedade de estações, através
das quais é produzida toda espécie de enfermidades. Aí se experimenta toda boa
temperatura, dia que não tem fim e luz inacessível aos homens aqui debaixo.
Aqueles que compuseram geografias ou descrições da terra nos deram a descrição
dos diversos lugares, segundo a possibilidade do homem. Contudo, como não eram
capazes de explicar os lugares além do céu, porque não são passíveis de
observação, deliraram com fluxos e refluxos. Uns disseram que os mares eram
cheios de algas, outros, cheios de barro; disseram que alguns lugares eram
abrasados pelo calor, outros, gelados pelo frio. Nós, porém, aprendemos dos
profetas o que ignorávamos; estes, persuadidos de que o espírito celeste,
vestidura de nossa imortalidade, juntamente com a alma, um dia possuirá a
imortalidade, predisseram o que as outras almas não sabiam. Entretanto, é
possível a todo aquele que se despoja de si mesmo, possuir esse superenfeite do
espírito e voltar ao primitivo parentesco com ele.
21 O gregos, nós não estamos loucos, nem pregamos idiotices, quando
anunciamos que Deus apareceu em forma humana. Vós, que nos insultais, comparai
os vossos mitos com as nossas narrativas. Deífobo, como se conta, era a própria
Atena, para enganar Heitor; através de Adureto, Apoio, o de vasta cabeleira,
dedicou-se a apascentar bois de andar torto e, em forma de uma velha,
apresentou-se a Semeie, a mulher de Zeus. Como é que vós, entretendo-vos com
tais cantos, podeis zombar de nós? O vosso deus Asclépio morreu, e aquele que
numa só noite violou cinqüenta donzelas em Tépias, morreu entregando-se como
pasto das chamas. Prometeu, cravado no Cáucaso, sofre o castigo pelo benefício
prestado aos homens. Segundo vós, Zeus é invejoso e manda um sonho enganador
quando quer arruinar os homens.
Portanto, olhai para os vossos
próprios monumentos e aceitai-nos, ao menos por inventar fábulas semelhantes às
vossas. Nós não somos insensatos, mas a vossa religião é pura charlatanice. Se
dizeis que os deuses têm origem, afirmais também que eles são mortais. Como é
que Hera não concebe mais? Será que ela se tornou velha, ou não tendes quem vos
anuncie? Crede em mim, ó gregos, e deixai de explicar alegoricamente os vossos
mitos e deuses. De fato, se procurais levar a cabo tal intento, vossos deuses
são destruídos não somente por nós, mas também por vós. Com efeito, ou os
demônios entre vós são o que se diz que são e, neste caso, têm condição
perversa; ou interpretados para significar outra coisa, já não são o que se
diz.
Eu não me persuadiria jamais a
adorar a substância de elementos materiais, nem procuraria persuadir o meu
próximo a isso. Metrodoro de Lâmpsaco, em seu livro sobre Homero, discute com
farta insensatez, reduzindo tudo a alegoria. Aí ele diz que nem Hera, nem
Atena, nem Zeus são o que pensam aqueles que levantam templos e recintos
sagrados para eles, mas forças da natureza e ordenação dos elementos.
Naturalmente direis que são da mesma natureza Heitor, Aquiles e o próprio
Agamenon e, numa palavra, todos os gregos e bárbaros, juntamente com Helena e
Páris, e que somente por causa da economia e disposição poética o poeta
introduziu todas essas personagens, embora nenhuma delas tenha existido.
Advirto que adiantei tudo isso por pura concessão, porque por si não é
reverente comparar a nossa idéia de Deus com aqueles que se revolvem na lama da
matéria.
22 Qual é a qualidade de vossas representações teatrais? Quem não
zombará de vossos espetáculos públicos que, realizados com pretexto dos demônios
perversos, conduzem os homens à desonra? Eu vi muitas vezes uma personagem e,
vendo-a, admirei-me e, depois de me maravilhar, a desprezei, pois era uma por
dentro e mentia por fora o que não era, extremamente efememinada e totalmente
dissoluta; algumas vezes seus olhos brilhavam, outras vezes gesticulava
agilmente com as mãos; ora fazia-se de louca com a sua máscara de barro, ora se
convertia em Afrodite ou Apolo. Ela sozinha era a acusadora de todos os deuses,
compêndio da superstição, caluniadora dos feitos dos heróis, representante de
assassínios, intérprete de adultérios, depósito de loucuras, mestra de
corrompidos, ocasião de condenações à morte.
E tal homem que vi era por todos
aclamado. Eu porém voltei as costas para aquele que em tudo era enganado: em
seu ateísmo, em suas representações e em sua pessoa. Vós, porém, vos deixais
arrebatar por tais pessoas e ultrajais os que não tomam parte em vossos
entretenimentos. Não quero ficar de boca aberta quando um coro canta. Nem me dá
vontade de me conformar aos gestos e movimentos contra a natureza. Que tipo de
extravagância não se inventa e representa entre vós? Rouquejam e recitam
indecências, praticam-se movimentos que não são lícitos, e vossas filhas e
filhos contemplam os que dão aulas em cena sobre como cometer um adultério. São
belas as vossas salas de audição que apregoam tudo de pecaminoso que se pratica
no escuro da noite, e divertem os ouvintes com recitais de discursos
desonestos. Bons também são os vossos poetas, embusteiros que com suas retóricas
enganam aqueles que os escutam.
23 Vi também homens fatigados pelos exercícios de treinamento que
levavam por todo lugar o peso de suas carnes. A estes são propostos prêmios e
coroas e os agonotetas ou organizadores de combates os incitam a competir não
em alguma ação boa, mas na insolência e na luta, sendo coroado o que melhor
golpeia. Esse é o menor mal; o mais grave quem não vacilará em explicálo?
Existem aqueles que de tal maneira se entregaram à ociosidade, que por
dissolução vendem-se a si mesmos para serem mortos; o pobre se vende a si mesmo
e o rico compra os que devem matá-lo. Aí se assentam os espectadores, e os
lutadores combatem corpo a corpo, sem nenhum objeto, e não há ninguém que desça
para ajudá-los.
Por acaso são boas ações como
essas que praticais? O homem proeminente entre vós reúne o exército de
assassinos e anuncia publicamente que vai alimentar uma tropa de bandidos.
Depois esses mesmos bandidos saem de sua casa e vós todos correis para o espetáculo,
primeiro para serem juízes da maldade do agonoteta, e depois dos próprios
gladiadores. E aquele que não pôde assistir à matança fica triste por não ter
sido condenado a ser espectador de obras perversas e abomináveis. Sacrificais
animais para comer a sua carne e comprais homens para infligir também à alma
uma carnificina humana, saciando-a com os mais ímpios derramamentos de sangue.
O salteador mata para roubar; o rico, porém, compra gladiadores somente para
matar.
24 Para que me serve esse ator que, na tragédia de Eurípides,
representa, furioso, o matricídio de Alcmeon? Ele não preserva nem a sua
própria figura, abre desmesuradamente a boca, brande a espada à direita e à
esquerda, inflama-se em gritos e veste uma roupa que ninguém usaria. Que
pereçam as fábulas de Hegesipo e de Menandro, versifïcador da mesma língua
daquele. Por que ficaria eu boquiaberto diante do flautista mítico? Que falta
me faz trabalhar, como Aristóxeno, pelo tebano Antigenides? Concedemo-vos todas
essas inutilidades, em troca acreditai em nossas doutrinas ou, imitando-nos,
deixai-nos em paz com elas.
25 O que é que os vossos filósofos fazem de grande e maravilhoso?
Trazem um dos ombros desnudado, conservam sua longa cabeleira, cultivam sua
bela barba, usam unhas de feras; fanfarroneiam que não têm necessidade de nada,
quando, como Proteu, necessitam do curtidor por causa do alforje, do tecelão
para o manto, do lenhador para o bastão, dos ricos e do cozinheiro para suas
gulodices. Tu, homem que imitas o cão, não conheces a Deus e, por isso, vives
imitando os irracionais: depois de proclamar aos gritos e publicamente com
fingida seriedade, te constituis em vingador de ti mesmo; se não recebes, desatas
em insultos, e a filosofia é para ti a arte do lucro. Tu segues as doutrinas de
Platão, e aquele que faz sofismas conforme Epicuro opõe-se a ti com voz
estridente. Queres ordenar tua conduta de acordo com Aristóteles, e um
discípulo de Demócrito te cobre de injúrias.
Pitágoras afirma ter sido
Euforbo e é herdeiro da doutrina de Ferecides, enquanto Aristóteles nega a
imortalidade da alma. Vós, entre os quais existem doutrinas contraditórias,
combateis, discordando, contra os que são entre si concordes. Há quem diz que o
Deus perfeito é corpo; eu, que é incorpóreo; que o mundo é indestrutível; eu,
que é destrutível; que a conflagração universal acontece periodicamente; eu,
que de uma só vez; que os juízes são Minos e Radamante; eu, que é o próprio
Deus; que só a alma receberá a imortalidade; eu, que juntamente com ela também
a carne. Gregos, em que vos prejudicamos? Por que odiais, como sendo os mais
abomináveis, a nós que seguimos o Verbo de Deus? Entre nós não existe
antropofagia; as informações que recebeis disso são falsos testemunhos. É entre
vós que Pélope é preparado como ceia para os deuses, embora seja o querido de
Posêidon; Cronos come seus próprios filhos e Zeus engole Métis.
26 Basta de jatar-vos com discursos alheios e de adornar-vos, como
a gralha, com plumas dos outros. Se cada cidade vos despojasse das expressões
que lhe pertence, já teriam acabado todos os vossos sofismas. Procurando
averiguar quem é Deus, desconheceis o que há em vós mesmos, e, olhando boquiabertos
o céu, acabais caindo num poço. As contradições de vossos livros parecem um
labirinto, e aqueles que os lêem se parecem com o tonel das Danaides. Para que
dividis o tempo, dizendo que uma parte é passado, outra presente e outra
futuro? Como 0 futuro pode passar, se é o presente? Como os navegantes
acreditam em sua ignorância, por causa do movimento acelerado do navio, que são
os montes que correm, do mesmo modo sois vós que passais rapidamente, mas o
tempo permanece parado, enquanto aquele que o fez quiser que exista. Por que,
quando expondo minhas doutrinas, sou recriminado e pondes todo empenho em
aniquilar o que me pertence?
Será que não nascestes de modo
semelhante a nós e não participais da mesma ordenação do mundo? Como é que
dizeis que só entre vós existe a sabedoria, se não tendes outro sol, nem outros
astros que vos iluminem, nem origem diferente, nem morte melhor do que os
outros mortais? O princípio de vossa charlatanice foram os gramáticos; vós, que
partilhais a sabedoria, vos separastes da verdadeira sabedoria e repartistes
entre os homens os nomes das partes dela; como não conheceis a Deus, aniquilais
uns aos outros, fazendo-vos guerra mútua. Por isso, não sois nada entre todos;
e vos apropriais das palavras, mas em seguida falais como um cego com um surdo.
Para que tendes nas mãos instrumentos de construção, se não sabeis construir?
Para que vos ergueis com as
palavras, se estais longe das obras? Envaidecidos na glória, abatidos nas
desgraças, irracionalmente abusais de vossas figuras retóricas. Em público,
andais pomposos, mas escondeis vossas doutrinas nos cantos. Ao dar-nos cabal
conta de que assim sois, vos abandonamos e já não tocamos em coisa que é vossa,
mas seguimos o Verbo de Deus. De fato, ó homem, que sentido tem desencadear a guerra
das letras? Por que, como num pugilato, fazes chocar tuas pronúncias pelo
sussuro dos atenienses, quando deverias falar de modo mais natural? Por que
falas em ático, não sendo ateniense, dite-me, por que não falas em dórico? Por
que este dialeto te parece mais bárbaro e aquele mais agradável para a
conversação?
27 Se te aténs à instrução daqueles mestres de dialeto ático, por
que me declaras guerra por escolher dentre o que se ensina as opiniões que
quero? Com efeito, o que é mais absurdo do que não castigar um bandido pelo
mero nome que lhe dão, antes de averiguar exatamente a verdade e, em troca,
odiar-nos por uma preocupação caluniosa, sem nenhuma averiguação? Diágoras foi
ateu e, embora divulgasse os mistérios que se praticam entre os atenienses, vós
o honrastes e, enquanto ledes os seus discursos frígios., vós nos odiais. Tendo
em vosso poder os Comentários de Leonte, vós vos irritais contra os vossos
argumentos; correndo de mão em mão as opiniões de Apião sobre os deuses do
Egito, vós vos proclamais como os homens mais ímpios. Entre vós mostra-se o
sepulcro de Zeus olímpico, por mais que se diga que os cretenses mentem.
A turma inteira de vossos muitos
deuses não é nada e, mesmo quando Epicuro, o negador deles, vá à frente com sua
tocha, eu não presto aos príncipes um culto superior a Deus. Não quero ocultar
a minha concepção sobre o universo. Por que me aconselhas a dissimular a minha
conduta? Como, professando o desprezo da morte, nos anuncias a maneira de
evitá-la com esperteza? Eu não tenho coração de cervo; mas todo esse aparato
dos vossos discursos é pura charlatanice de Persites. Como vou acreditar em
alguém que me diz que o sol éuma massa incandescente e que a lua é terra? Tudo
isso são jogos de palavras e não ordenação da verdade. Existe maior estupidez
do que crer nos livros de Herodoro, em sua história de Herácles, na qual se
fala de uma terra superior, de onde desceu o leão que foi morto por Herácles?
De que me serve a dicção ática, os sorites dos filósofos, as conclusões
verossímeis dos silogismos, as medidas da terra, as posições dos astros e os
cursos do sol? Ocupar-se em averiguar essas coisas é obra daqueles que impõem
suas próprias opiniões como lei.
28 Por isso, condeno também as vossas leis. Deveria haver uma só
constituição política comum para todos; agora, há tantas legislações quantas
cidades existem, e assim acontece que o que entre uns é vergonhoso, entre
outros é tido por honroso. Os gregos, por exemplo, pensam que se deve evitar a
união com a própria mãe, ao passo que entre os magos persas isso é tido como a
mais bela instituição. A pederastia é perseguida entre os bárbaros; entre os
romanos, porém, é considerada um privilégio, pois procuram reunir rebanhos de
crianças para ela, como manadas de cavalos para o pasto.
29 Tendo visto isso tudo, e também depois que me iniciei nos
mistérios e examinei as religiões de todos os homens, instituídas por eunucos
efeminados, encontrando entre os romanos aquele que eles chamam de Júpiter
Laciar, que se compraz em sacrifícios humanos e no sangue dos executados; que
Diana, não longe da grande cidade, exigia o mesmo tipo de sacrifícios; por fim,
que numa parte um demônio, e em outra, outros se entregavam em perpetrar
iniqüidades semelhantes, entrando em mim mesmo, comecei a perguntar-me de que
modo ser-me-ia possível encontrar a verdade. Em meio às minhas graves
reflexões, caíram-me casualmente nas mãos algumas Escrituras bárbaras, mais
antigas que as doutrinas dos gregos e, se considerarmos os erros destes, são
realmente divinas. Tive que acreditar nelas, por causa da simplicidade de sua
língua, pela maturidade dos que falam, pela fácil compreensão da criação do
universo, pela previsão do futuro, pela excelência dos preceitos e pela
unicidade de comando do universo. Com a alma ensinada pelo próprio Deus, com
preendi que a doutrina helênica me levava para a condenação; a bárbara, porém,
livrava-me da escravidão do mundo e me afastava de muitos senhores e tiranos
infinitos. Ela nos dá, não o que não tínhamos recebido, mas o que, uma vez
recebido, o erro nos impedia de possuir.
30 Tendo compreendido essas coisas, quero tornar-me uma criança
pequena e desvestir-me do homem terreno. De fato, sabemos que a natureza da
maldade é semelhante a uma semente pequeníssima que, com a mais leve razão,
lança raízes; novamente se desfaz se nós obedecemos ao Verbo de Deus e não nos
dissipamos a nós mesmos. Por meio de um tesouro oculto, o Verbo de Deus se
tornou dono do que é nosso. Desenterrando esse tesouro, nós nos enchemos de
poeira, mas demos ao Verbo a ocasião para ele estar conosco. Somente aquele que
recebe toda a posse dele terá poder sobre a mais preciosa riqueza. Além disso,
essas coisas fiquem ditas para os da própria casa. Para vós, gregos, que outra
coisa vos direi, senão que não insulteis aqueles que vos são superiores, e que
pelo fato de se chamarem bárbaros não os tomeis como pretexto para vossos
escárnios? Se quiserdes, podeis encontrar a causa pela qual nem todos se
entendem em uma só língua. Estou disposto a dar uma explicação fácil e
abundante sobre isso para aqueles de vós que desejam examinar a fundo a nossa
doutrina.
31 Creio agora oportuno demonstrar-vos que a nossa filosofia é mais
antiga do que as instituições gregas. Os limites serão Moisés e Homero. Tanto
um como outro são antiquíssimos: um é o mais velho dos poetas historiadores;
outro, autor de toda a sabedoria bárbara. Tomemo-los para estabelecer a
comparação e veremos que a nossa religião não só é mais antiga que a cultura
dos gregos, mas anterior à invenção do alfabeto. Não tomarei testemunhas da
minha própria casa, e sim valer-me da ajuda dos próprios gregos. A primeira
forma não teria sentido, nem mesmo nós aceitamos isso. A segunda, porém, se
verá que é um maravilhoso plano, pois vos combateremos com vossas próprias
armas e usaremos os vossos próprios argumentos insuspeitos.
Os mais antigos que se dedicaram
a investigar a poesia de Homero, sua origem e o tempo em que floresceu, foram
Teágenes de Régio, que viveu no tempo de Combises, Estesímbroto de Tasos,
Calímaco de Colofon, Heródoto de Halicarnasso e Dionísio de Olinto; depois
desses, Éforo de Cima, Filócoro de Atenas e os peripatéticos Megaclides e
Camaleonte; depois os gramáticos Zenódoto, Aristófanes, Calímaco, Crates,
Eratóstenes, Aristarco e Apolodoro.
Entre estes, os da escola de
Crates dizem que Homero apareceu antes da volta dos heráclidas, o mais tardar
oitenta anos depois da guerra de Tróia; as de Aristarco, durante a emigração
jônia, que aconteceu cento e quarenta anos depois do que aconteceu com Tróia;
Filócoro, depois da emigração jônia, durante o arcontado de Arquipo em Atenas,
cento e oitenta anos depois dos acontecimentos de Tróia; os de Apolodoro, cem
anos depois da emigração jônia, que equivaleria a duzentos e quarenta anos
depois de Tróia. Alguns afirmaram que ele nasceu antes das Olimpíadas, isto é, quatrocentos
anos depois da tomada de Tróia.
Alguns abaixam o tempo, e o
fazem contemporâneo de Arquíloco, que floresceu na vigésima terceira olimpíada,
na época do lídio Giges, quinhentos anos depois da guerra de Tróia. Para os que
podem examinar com exatidão os meus argumentos, é suficiente o que foi dito
resumidamente sobre o poeta Homero e sobre a discussão e discrepâncias entre os
que dele falaram. Daí épossível a qualquer um afirmar também a falsidade das
opiniões sobre a sua vida. Com efeito, para aqueles que não possuem uma
cronologia bem ordenada não é possível também com por história verdadeira. De
fato, qual é a causa do erro ao escrever, senão combinar dados não verdadeiros?
32 Entre nós não existe a ambição de glória e, por isso, não
seguimos uma multiplicidade de doutrinas. Com efeito, afastados da razão vulgar
e terrena, obedientes aos mandamentos de Deus e seguindo a lei do Pai da
incorrupção, rejeitamos tudo o que se funda em mera opinião humana; não só os ricos
filosofam, mas também os pobres tomam gratuitamente parte no ensinamento. O que
vem de Deus ultrapassa a qualquer dom mundano que se poderia dar em troca. Nós,
portanto, admitimos a todos os que querem ouvir-nos, ainda que sejam velhinhas
e rapazes e, por fim, qualquer idade é honrada entre nós. A única coisa da qual
estamos bem afastados é a dissolução. Nós não mentimos ao falar. Seria bom que
pusésseis fim à vossa teimosia na incredulidade. Nossa doutrina está confirmada
pelo pensamento de Deus e vós podeis rir, como pessoas que logo irão chorar.
Que coisa mais absurda do que admirar vosso Nestor que, por fraqueza e peso da
idade, só lentamente pode cortar as carreiras do terceiro cavalo e, todavia,
procura lutar como qualquer jovem.
Em troca, zombais daqueles
nossos que lutam com a idade e se ocupam nas coisas divinas. Quem não rirá de
vós, quando falais que existiram certas amazonas, uma tal Semíramis e outras
mulheres guerreiras e, ao mesmo tempo, insultais nossas virgens? Aquiles era
jovem e, contudo, é considerado muito nobre; Neoptólemo era mais jovem ainda,
mal era forte; Filocteto estava doente e, todavia, a divindade precisava dele
contra Tróia. De que tipo era Tersites? Entretanto, era chefe e se, por sua
ignorância, não tivesse sido tão charlatão, não teria sido denegrido por sua
cabeça pontiaguda e com pouco cabelo. Todos os homens que desejam filosofar
correm até nós, que não examinamos as aparências, nem julgamos, por sua figura,
aqueles que se aproximam. Pensamos que a força da inteligência possa existir em
todos, ainda que sejam fisicamente fracos. Vossas instituições, porém, estão
cheias de maldade e de muita ignorância.
33 Tomando a prova do que entre vós é tido como precioso, pensei em
estabelecer que nossos costumes são castos, enquanto os vossos são acompanhados
de muita sua arte. De minha parte, também condeno Pitágoras, que fez Europa
sentar-se sobre um touro, e a vós, que honrais aquele que, por sua arte, é
acusador de Zeus. Divirto-me também com a habilidade de Micon, que fez um
bezerro e colocou Vitória montada nele, porque Zeus, ao raptar Europa, a filha
de Agenor, ganhou a palma de adúltero e intemperante. Por que Heródoto de
Olinto fabricou a prostituta Glicera e a tangedora Argiva? Briaxis colocou
Pasifae em pé, e, recordando a sua dissolução, falta pouco para que prefirais
que as mulheres de hoje sejam como ela. Houve tal Melanipa, mulher sábia, e por
sua sabedoria Lisístrato lhe esculpiu uma estátua. E, contudo, não acreditais
que também entre nós existam mulheres sábias.
34 Certamente é muito digno de veneração o tirano Faláris, que se
fazia servir à mesa crianças de peito e por obra do ambraciota. Polístrato, é
apresentado até hoje como homem maravilhoso. Os habitantes de Agrigento sentiam
temor ao olhar semelhante monstro da desumanidade, enquanto os que se orgulham
de sua própria cultura, vangloriam-se de contemplá-lo em imagem. Como não
considerar coisa grave que se honre entre nós o fratricídio, pois vós mesmos,
olhando as figuras de Polinices e Etéocles, não jogastes as estátuas num poço,
juntamente com seu escultor Pitágoras, destruindo os monumentos da maldade? Por
que me insinuais, através de Policlímeno, para que eu considere maravilha uma
mulherzinha que gerou trinta filhos? Teria sido melhor abominar aquela que recolheu
os frutos de sua grande incontinência, como a porca dos romanos que pelo mesmo
motivo, como dizem, foi considerada digna de culto misterioso.
Ares cometeu adultério com
Afrodite, e Andron vos esculpiu Armonia, que deles nasceu. Sofron, que em suas
comédias produziu tantas besteiras e inutilidades, é ainda mais famoso graças à
escultura que até agora existe. O embusteiro Esopo não só se tornou imortal por
causa de suas fábulas, mas a plástica de Aristodemo o tornou famoso no mundo
todo. Como é que, tendo entre vós tantas poetisas que não valem nada,
prostitutas incontáveis e homens malvados, não vos envergonhais de caluniar a
pureza de nossas mulheres? Que me interessa saber que Evanta deu à luz durante
o passeio, ficar boquiaberto diante da arte de Calístrato e erguer meus olhos
para Neera de Calíades?
Era uma hetera. Laís foi
prostituta e seu cúmplice a tornou monumento de sua prostituição. Como não vos
envergonhais da fornicação de Hesféstio, por mais artisticamente que Fílon o
tenha representado? Porque honrais o andrógino Ganimedes, graças a Leocares,
como se com ele possuísseis um tesouro, assim como a mulherzinha dos braceletes
que Praxíteles cinzelou? O que deveríeis fazer é recusar tudo isso e buscar
verdadeiramente o bem, e não abominar nossa conduta, tornando vossas as
obscenidades de uma Filênis e de uma Elefantis.
35 Exponho-vos tudo isso, não porque soube de outros, mas porque
percorri muitas terras, professei como mestre vossas próprias doutrinas, pude
examinar muitas artes e idéias e, por fim, vivendo em Roma, pude contemplar
detidamente a variedade de estátuas que para lá vós exportastes. De fato, não
me preocupo, como o vulgo costuma fazer, em confirmar minhas doutrinas com
opiniões alheias, mas só quero escrever aquilo que eu pessoalmente compreendi.
Justamente por isso, dando adeus à altivez dos romanos, ao frio palavrório dos
atenienses e aos contraditórios sistemas de vossa filosofia, aderi finalmente à
nossa filosofia bárbara.
Eu começara a escrever como ela
é mais antiga que vossas instituições, mas diferi, porque estava premido para
expor outro tema; agora, chegado o momento de falar de suas doutrinas, procurei
terminar a minha exposição. Não leveis a mal a nossa instrução, nem objeteis
contra nós a estupidez e a bufonaria de que "Taciano, saltando sobre os
gregos, saltando sobre a incontável Caterva de filósofos, nos traz a novidade
de sistemas bárbaros." Com efeito, o que há de mal que homens que se
demonstraram ignorantes fossem convencidos por outro que há pouco sofreu a
mesma enfermidade? O que há de absurdo que, segundo vosso próprio sofista,
alguém, tornando-se velho, vá ao mesmo tempo aprendendo muitas coisas?
36 Concedamos que Homero tenha vivido, não após a guerra de Tróia,
mas no próprio tempo da guerra e que até tenha combatido no exército de
Agamenon e que, se alguém se compraz com isso, tenha nascido antes da invenção
do alfabeto. Ficará claro que o dito Moisés é, em muitos anos, mais antigo que
a tomada de Tróia, muito anterior à própria fundação da cidade, a Tros e a
Dárdano. Para demonstrar isso, valer-me-ei de testemunhos caldeus, fenícios,
egípcios e... para que mais? De fato, quem só procura persuadir sobre um ponto
particular, tem que explicar a seus ouvintes de forma mais breve que Beroso, o
babilônio, que foi sacerdote do deus Belo dos babilônios. Beroso viveu nos
tempos de Alexandre e escreveu em três livros a história dos hebreus para
Antíoco, terceiro sucessor de Alexandre. Contando as façanhas dos reis, começam
por um chamado Nabucodonosor, que fez a campanha contra os fenícios e judeus.
Sabemos que tais acontecimentos foram anunciados pelos nossos profetas e que
aconteceram muito depois da época de Moisés, setenta anos antes do domínio dos
persas. Pois bem, Beroso é homem muito autorizado e a prova está no fato de que
Juba, em seu Sobre os assírios, afirma ter tomado de Beroso a história deles.
Juba compôs dois livros Sobre os assírios.
37 Depois dos caldeus, eis o testemunho dos fenícios. Houve três
escritores entre eles: Teódoto, Hipsícrates e Moco, cujos livros foram
traduzidos para o grego por Leto, o mesmo que investigou com exatidão as vidas
dos filósofos. Nas histórias desses autores se esclarece em que época aconteceu
o rapto de Europa e a chegada de Menelau à Fenícia, assim como os feitos de
Hiram, que deu sua filha em casamento a Salomão, rei dos judeus, e lhe forneceu
madeiras de toda espécie para a construção do templo. Menandro de Pérgamo também
escreveu sobre essa mesma matéria. A época de Hiram já se aproxima dos
acontecimentos de Tróia; Salomão, porém, contemporâneo de Hiram, é muito
posterior a Moisés.
38 Existem cronologias exatas dos egípcios, e seu historiador é
Ptolomeu, não o rei, mas um sacerdote de Mendes. Contando as façanhas dos reis,
ele diz que no tempo de Amósis, rei do Egito, aconteceu a saída dos judeus, sob
o comando de Moisés, para aterra que eles desejavam. Diz literalmente: "E
Amosis foi contemporâneo do rei Ínaco." Depois de Ptolomeu, o gramático
Apião, autor aprovadíssimo, no livro quarto de sua História Egípcia (a obra
compreende cinco livros), diz também que Amósis, que viveu no tempo de Ínaco,
rei de Argos, destruiu a cidade de Avario, como Ptolomeu de Mendes registrou em
sua Crônica. Pois bem: o período de Ínaco até a tomada de Tróia preenche vinte
gerações, como será demonstrado em seguida.
39 Os reis dos agravos foram os seguintes: Ínaco, Foroneu, Ápis,
Argivo, Críaso, Forbante, Triopante, Crótopo, Estenelau, Dânaos, Linceu, Preto,
Abas, Acrísio, Perseu, Estenelau, Euristeu, Atreu, Tiestes, Agamenon, no décimo
oitavo ano do qual Tróia foi tomada. O leitor inteligente precisa notar com
toda a diligência que, segundo a própria tradição dos gregos, não existia entre
eles nenhuma história escrita. Com efeito, Cadmo, que introduziu entre eles as
letras, chegou à Beócia muitas gerações mais tarde e, só depois de Ínaco, sob
Foroneu, terminou a vida selvagem e nômade, quando os homens se civilizaram um
pouco. Concluindo: Se Moisés aparece como contemporâneo de Ínaco, ele é
quatrocentos anos mais antigo do que a guerra de Tróia. E que assim o seja,
fica demonstrado pela série dos reis áticos (assim como pelos da Macedônia,
Ptolomeus e Antioquenos). Se os fatos históricos mais ilustres dos gregos
começaram a ser registrados depois de Ínaco, e a partir daí são conhecidos, é
evidente que foram também depois de Moisés.
De fato, é sob Foroneu que os
atenienses recordam Ógiges, em cuja época houve o primeiro dilúvio; sob
Forbante, Acteão, a partir do qual a Ática se chamou Actea; sob Tiopante,
Prometeu, Epimeteu, Atlas e Cécrope, aquele de dupla natureza, e Io; sob
Crótopo, o incêndio de Faetonte e o dilúvio de Deucalião; sob Estenelau, o
reinado de Anfiction, a chegada de Dânaos ao Peloponeso, a fundação de Dardânia
por Dárdano e a vinda de Europa da Fenícia para Creta; sob Linceu, o rapto de
Coré, a ereção do templo de Elêusis, a semeadura de Triptólemo, a chegada de
Cadmo a Tebas e o reinado de Minos; sob Preto, a guerra de Eumolpo contra os
atenienses; sob Acrísio, o passo de Pélope da Frígia, a chegada de Íon a
Atenas, o segundo Cécrope, as façanhas de Perseu e Dioniso e Museu, discípulo
de Orfeu. Por fim, sob o reinado de Agamenon, Tróia foi tomada.
40 Assim, de tudo o que foi dito, fica claro que Moisés é mais
antigo do que os antigos heróis, guerras e divindades. E vale mais acreditar
naquele que precede em idade do que nos gregos, que foram retirar dessa fonte
seus ensinamentos, sem entendê-los. De fato, muitos de seus sofistas, com
grande curiosidade vã, procuraram adulterar aquilo que conheceram de Moisés e
que filosofam à maneira de Moisés, primeiramente para dar aparência de dizer
algo original, depois para falsificar a verdade como um conjunto de fábulas,
dando um verniz de falsa retórica àquilo que não compreenderam. Quanto à nossa
religião e à história de nossas leis, o que os eruditos gregos disseram sobre
ela, quantos e quais a mencionaram, falarei em minha obra Sobre os que
afirmaram a respeito das coisas de Deus.
41 Apresso-me a esclarecer-vos sobre o que agora nos preme, isto é,
que Moisés não só é anterior a Homero, mas também aos escritores anteriores a
Homero: Lino, Filamon, Tamiris, Anfião, Orfeu, Museu, Demódoco, Fêmio, a
Sibila, Epimênides cretense, aquele que veio para Esparta; Aristo de Proconeso,
autor das Arimaspias do Centauro Asbolo, Báquis, Drimon, Euplo de Chipre, Horos
de Samos e Propânides de Atenas. Com efeito, Lino foi mestre de Herácles, e
este evidentemente vivem uma geração antes da guerra de Tróia, como se prova
pelo fato de que seu filho Trepólemo esteve no exército que marchou contra ela.
Orfeu foi contemporâneo de
Herácles, embora os poemas que lhe são atribuídos dizem ter sido compostos por
Onomácrito de Atenas, que viveu durante a tirania dos Pisistrátidas, na
qüinquagésima Olimpíada. Museu foi discípulo de Orfeu e Anfião foi anterior em
duas gerações à guerra de Tróia; só esse fato me impede de dizer algo mais
sobre eles aos estudiosos. Demódoco e Fêmio viveram na época da guerra de
Tróia, pois um se achava entre os pretendentes e o outro com os feácios.
Tamiris e Filámon não são muito mais antigos do que esses. Desse modo, quanto à
matéria de cada um dos eruditos, assim como quanto à cronologia e suas fontes
escritas, creio ter tratado muito brevemente, mas com toda exatidão.
Contudo, para completar o que
ainda falta, estenderei minha demonstração até os legisladores considerados
sábios. Minos, que é tido como o mais excelente em toda sabedoria, prudência e
legislação, viveu sob Linceu, que reinou após Dárdano, onze gerações depois de
Ínaco. Licurgo, que nasceu depois da tomada de Tróia, entregou suas leis aos
lacedemônios cem anos antes das Olimpíadas. Draco nasceu na trigésima nona
Olimpíada. Sólon na quadragésima sexta, Pitágoras na sexagésima segunda. E já
demonstramos que as Olimpíadas começaram quatrocentos e sete anos após a guerra
de Tróia. Isso demonstrado, só nos resta registrar uma indicação sobre a idade
dos outros sete sábios. Tendo Tales, o mais velho deles, nascido na qüinquagésima
Olimpíada, resumidamente fica dito sobre o que pensar das épocas dos
posteriores a ele.
42 Essas são as coisas, ó gregos, que compus para vós, eu, Taciano,
que professo a filosofia bárbara, nascido em terra dos assírios, formado primeiramente
em vossa cultura e depois nas doutrinas que agora anuncio como pregador. Já
conhecendo quem é Deus e sua criação, apresento-me a vós disposto ao exame de
meus ensinamentos, advertindo que jamais renegarei minha conduta segundo Deus.
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