8 de dezembro de 2012

Raízes de amargura



“Eu e você somos cristãos. Em teoria, deveríamos fazer pelo próximo o que gostaríamos que fizessem por nós. Amar ao próximo como a nós mesmos. Mas existe um porém: eu e você somos humanos – e essa é a parte horrível da história. Porque eu e você fazemos coisas muito, mas muito distantes das que Jesus idealizou para nós. Uma delas é magoar pessoas. Muitas vezes, as pessoas que mais amamos. Explicar isso dentro da fé cristã é inexplicável” (Maurício Zágari)

Como seres humanos, somos falhos, errantes, míseros pecadores que carecemos da graça e da misericórdia de Deus para a vida eterna. Decepcionamos pessoas, entristecemos corações, magoamos até mesmo a quem amamos, não andamos a segunda milha e muitas vezes não damos a mão para ajudar o próximo. Para dizer a verdade, a grande maioria dos cristãos, na parábola do Bom Samaritano, estaria muito mais para o levita ou sacerdote do que para o bom samaritano – e eu me incluo nisso também.

Ainda que tentemos praticar o bem, ajudar o próximo, amar a Deus acima de todas as coisas, amar até mesmo os nossos piores inimigos... muitas vezes tropeçamos e caímos em erro, machucando o coração das pessoas, julgando as suas atitudes, decepcionando. Na verdade, isso não é mais do que um retrato da natureza humana que todo cristão tem que diariamente lutar contra ela e tomar a sua cruz para negá-la. Somos assim: falhos.

Porém, muitas vezes é feita uma máscara em torno de todos nós. Muitas pessoas apostam em nós e nos veem como pessoas “perfeitas”, seres quase angelicais, o supra-sumo da espiritualidade. Não esperam que erremos, e, quando cometemos um erro, é como se um anjo do Céu tivesse caído. Então, quando cometemos aquilo que nenhum cristão deveria cometer mas todos cometem – pecado – e esse pecado ataca diretamente alguma pessoa, um sentimento começa a tomar conta do coração da pessoa que é ferida: chama-se “raiva”.

Todos nós a conhecemos muito bem. Eu sei muito bem o que é isso. Você sabe muito bem o que é isso. O que não sabemos é como tratá-la. Se alguém comete alguma atitude que nos magoa, escreve ou diz qualquer coisa desagradável, que atinja em cheio o nosso coração, a primeira reação é um ódio, raiva ou mágoa extrema dessa pessoa.

E o pior é que costumamos guardar este sentimento aqui dentro, até vermos a outra pessoa caindo aos nossos pés implorando o perdão entre os prantos, ou então até vermos ela sofrendo o mesmo que nós sofremos, para “pagar o preço”! E, enquanto não vemos claramente nenhuma dessas “soluções”, aquele sentimento permanece ali. O problema é que, quanto mais o tempo passa, aquele sentimento – que pensamos que pode passar naturalmente com o tempo – só tende a aumentar. E aumentar. E aumentar mais. Como diz a Palavra:

“Cuidem que ninguém se exclua da graça de Deus. Que nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando a muitos” (Hebreus 12:15)

O autor de Hebreus escreveu dizendo que ela “brota” e causa perturbação, não apenas sobre si mesmo, mas sobre muitos. Aquele ódio que toma conta de si acaba transformando aquela pessoa dócil em uma pessoa agressiva, de coração duro, por causa de uma mágoa passada ou uma forte decepção com alguém. Mais do que isso, o escritor de Hebreus associa tal coisa a se “excluir da graça de Deus” (Hb.12:15)!

Uma pessoa pode se excluir da graça de Deus quando conserva dentro de si mesma o sentimento da raiva contra alguém, do pecado não-perdoado, tendo as suas próprias orações sem serem mais respondidas como antes. Na oração do Pai-Nosso, a única informação necessária que Cristo adicionou à oração foi:

“Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas”(Mateus 6:14-15)

A ofensa que fizemos contra Cristo, em forma de pecado (e de muitos deles) é uma quantia imensurável, e humanamente impossível de ser paga. Mas o Pai promete nos perdoar através do sacrifício feito por Jesus em nosso lugar na Cruz – mas sob uma condição: que perdoemos aqueles que nos ofendem! Se não perdoarmos, Deus não nos perdoará!

Isso é muito forte, pois geralmente pensamos que a retenção de perdão não significa “pecado”, propriamente dito. Afinal, quem pecou foi o outro, não eu, não é mesmo? Mas Jesus não apenas considera pecado, como também afirma que nós não seremos perdoados por Deus se não perdoarmos aos outros, o que anularia em sua vida todo o valor do sacrifício vicário que Jesus Cristo fez por você!

Em outras palavras, quer anular o valor da obra da redenção na sua vida? Então simplesmente não perdoe. Continue conservando aquela mágoa, aquele ódio, aquele rancor, aquela raiva, aquela raiz de amargura. Ela irá crescer, e, quando brotar, irá trazer consequências drásticas e reais sobre a sua vida: irá contaminar você até torná-la uma pessoa desagradável para com muitos (Hb.12:15).

Meu querido irmão, minha querida irmã: a essência do evangelho é o perdão. É por meio do perdão de Deus, nos perdoando por todos os nossos mais horrendos pecados – e os pecados de toda a humanidade – que hoje nós podemos dizer que somos salvos, e que temos alguma esperança de morar na Jerusalém Celestial um dia.

O que Deus fez enviando Seu Filho unigênito ao mundo foi nos conceder o perdão. Se Deus nos perdoou tanto através de Cristo, por que não deveríamos nós perdoarmos uns aos outros, ainda mais sendo o delito do próximo muito menor do que a transgressão que fizemos contra Deus? Perdoar ao próximo é o princípio para ser perdoado por Deus. Em Mateus 18, Jesus nos conta uma parábola que nos mostra isso do padrão do próprio Deus:

“Por isso, o Reino dos céus é como um rei que desejava acertar contas com seus servos. Quando começou o acerto, foi trazido à sua presença um que lhe devia uma enorme quantidade de prata. Como não tinha condições de pagar, o senhor ordenou que ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que ele possuía fossem vendidos para pagar a dívida. O servo prostrou-se diante dele e lhe implorou: ‘Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo’. O senhor daquele servo teve compaixão dele, cancelou a dívida e o deixou ir. Mas quando aquele servo saiu, encontrou um de seus conservos, que lhe devia cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Pague-me o que me deve!’ Então o seu conservo caiu de joelhos e implorou-lhe: ‘Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei’. Mas ele não quis. Antes, saiu e mandou lançá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Quando os outros servos, companheiros dele, viram o que havia acontecido, ficaram muito tristes e foram contar ao seu senhor tudo o que havia acontecido. Então o senhor chamou o servo e disse: ‘Servo mau, cancelei toda a sua dívida porque você me implorou. Você não devia ter tido misericórdia do seu conservo como eu tive de você?’ Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão" (Mateus 18:23-35)

Nesta parábola, Jesus nos mostra muito bem que o nosso perdão para com o próximo está diretamente relacionado com o perdão de Deus para conosco. A nossa dívida natural para com Deus é enorme. A dívida era tão grande que foi necessário o sangue do próprio Filho Unigênito de Deus para pagar o preço, o sacrifício vicário na cruz por todos nós. Ninguém mais poderia fazer isso. Não existia ninguém totalmente “puro”. Estávamos fadados à morte. Mas Cristo pagou o preço por nós na cruz do Calvário, ele ”fez isso de uma vez por todas quando a si mesmo se ofereceu” (Hb.7:27).

O fato ali relatado é que esta dívida natural nossa para com Deus é algo tão grande, que o original grego no verso 18 traduz como sendo “10 mil talentos”. Para ter uma ideia da dimensão, um único talento equivalia a 25 quilos! A Graça de Deus é tão grande, que perdoou completamente aquela pessoa que tinha tão tamanha dívida! Agora pense no “problema” que uma pessoa humana tinha para com a outra. Toda a discussão deles rolava por conta de apenas 100 denários (um denário era o pagamento de um dia de trabalho).

Ao contrário daquela enorme dívida de dez mil talentos, essa dívida que a pessoa tinha para com a outra poderia ser resolvida com alguns meses de trabalho, sem problemas. Mas o ser humano, por sua natureza cruel, retém o perdão ao próximo, e não perdoa o seu próximo do mesmo modo que ele mesmo foi perdoado de uma dívida imensuravelmente superior. A atitude de reter o perdão ao próximo fez com que o Senhor o entregasse para os torturadores até que pagasse tudo o que ele devia.

Aqui nós vemos como o nosso perdão para o nosso próximo, para com os nossos irmãos da fé e principalmente para com os nossos inimigos é tão tremendamente importante para uma relação de perdão de Deus para conosco. Se não perdoamos o nosso próximo, nós estamos nos ausentando e nos excluindo do perdão de Deus!

A oração do Pai Nosso é muito clara: Perdoa as nossas dívidas... assim como perdoamos aos nossos devedores” (v.12). O perdão de Deus para conosco está diretamente associado ao perdão que temos para com o próximo. Se não perdoamos de coração aos outros, Deus também não perdoará as nossas ofensas.

Mais do que isso, estaremos amontoando dentro do nosso coração uma porção bem grande de raiz de amargura, que, se não erradicada o mais rápido possível, irá brotar e contaminar a sua vida e a vida do próximo. É por isso que Paulo disse para apaziguarmos a ira antes que o sol se ponha (Ef.4:26), para não deixarmos a raiz de amargura brotar, dando “lugar ao diabo” (v.27).

Se você quer uma transformação rápida e radical de santo para carnal, simplesmente teste não perdoar sinceramente e de coração aquele que pecou contra você. E, além de se auto-contaminar, estará sendo hipócrita, pois você também erra com os outros, e com Deus também!

Se o sentimento de ódio não sair do coração, ele vai permanecer lá até transformar por completo aquela pessoa meiga e agradável em uma totalmente tomada pela raiva e pelo ódio. Muitas pessoas que um dia já foram pessoas amáveis e bem-educadas não conseguíram perdoar e hoje são pessoas enraivecidas.

Diante deste quadro tão alarmante, o que é que você deve fazer? Se foi você quem pecou, vá até a pessoa e peça perdão com toda a sinceridade de coração. Se não for possível ver essa pessoa pessoalmente, escreva uma carta ou deixe-lhe uma mensagem. Se for preciso se humilhar, humilhe-se. Não tente se justificar. Apenas reconheça o seu próprio erro e peça de coração para que a outra pessoa lhe perdoe. Se arrependa, e tente concertar aquilo que ficou quebrado.

Se você está no grupo das pessoas que estão magoadas com alguém, com uma raiz de amargura ou já com amargura no coração inteiro, perdoe – sinceramente e de todo o coração – a pessoa que lhe ofendeu. Não importa se a outra pessoa veio ou não pedir o perdão, se se humilhou ou não, se sofreu ou não por causa daquilo. Simplesmente perdoe pensando em Jesus, que perdoou multidão de pecadores e orou por eles.

Muitas vezes, a outra pessoa inclusive já pediu perdão pelo ato, já se humilhou, mas você continua odiando ela, tratando-a diferente de antes, evitando-a. Lembre-se que perdoar é mais que dizer “eu te perdoo”, é efetivamente mudar de atitude também. Volte a tratá-la como antes, a aceite como alguém que realmente obteve o perdão. Dizer que perdoou mas agir como se não, é a mesma coisa de não ter perdoado ninguém.

Às vezes, também é possível que as duas pessoas tenham culpa em uma briga. Você deixa para pedir perdão depois que a outra pessoa também vier pedir. Querido irmão, é muito fácil pedir perdão a alguém depois que este alguém veio pedir perdão pra você. Isso até um pagão ou publicano consegue! Você quer ser cristão? Quer ser destacado? Quer ser diferenciado do mundo? Então vá e peça você mesmo o perdão.

Ainda que a outra pessoa esteja muito mais errada do que você, faça a sua parte e peça perdão pela parte que você ficou com a culpa. O simples fato de brigar ou discutir em voz alta já é uma culpa. Escandaliza descrentes que deveriam ver em você a luz de Cristo para quererem fazer parte da mesma fé de vocês. Então, peça perdão, ainda que a outra pessoa tenha errado mais, ainda que a outra pessoa não tenha tomado tal iniciativa ainda. Lembre-se que a sua recompensa virá do Pai Celestial.

Eu posso dizer que já passei pelos três grupos. Já fui pedir perdão a pessoas que eu discutia muito – ainda que apenas virtualmente – e era ofendido na maioria das vezes. Já pedi perdão a pessoas que tinham 90% da culpa. Já pedi perdão a pessoas que nem esperavam que eu pedisse perdão e que nem precisavam disso. Também já magoei muita gente. Tive que me humilhar ainda mais nas situações em que a culpa era realmente minha e não do próximo.

Já tive, como todos, que perdoar no meu coração todos aqueles que já me ofenderam, pessoalmente ou não. E foram muitos! Hoje posso dizer com toda a franqueza do coração que não tenho nada contra ninguém no coração. Fico triste por pessoas que magoei e que até o momento não se desfizeram da raiz de amargura, mas sei que já fiz a minha parte. Nestes casos, se você já se arrependeu, chorou pelo seu erro, se humilhou diante da outra pessoa, mas mesmo assim sente que ela ainda não perdoou, somente ore por esta pessoa.

Não tente forçar o perdão. Essa é uma decisão dela. Se ela não quiser perdoar, o pior virá para ela mesma. Assim como quem erra colhe as consequências de seu erro, quem não perdoa verá a raiz de amargura brotando e contaminando o próprio coração. Se em qualquer das circunstâncias você já fez a sua parte, agora é a hora de deixar nas mãos de Deus e orar. Ele é o Justo Juiz, Ele saberá que você perdoou ou pediu perdão com sinceridade.

Certa vez Agostinho disse uma frase que tocou muito comigo. Segundo ele, “o pecado é comum tanto a santos como a pecadores, mas o perdão é uma dádiva dos santos”. Essa frase constitui a mais perfeita realidade. Somos todos falhos. Erramos e pecamos contra Deus e contra o próximo. Não somos mais dignos de sermos chamados filhos de Deus. Mas Ele nos perdoa baseado no nosso perdão para com o próximo. Tanto no que nós pedimos perdão, como também no que nós perdoamos quando nos ofendem.

É melhor uma pessoa que erra e pede perdão do que uma que quase nunca erra, mas que não consegue perdoar. Relacionamentos são destruídos não pela briga, mas pela dificuldade de perdoar. Pergunte a qualquer casal que deu certo na vida, e você verá que neste caminho houve milhares de desentendimentos. Discórdias acontecem como consequência da natureza humana, mas é no perdão que o casamento (ou o fim dele) é estabelecido.

Ninguém pede divórcio porque o marido não ajudou a lavar a louça ou porque a esposa gastou dinheiro demais neste mês; eles se divorciam porque depois disso não foram sensíveis para se arrependerem do erro. Ninguém se separa porque a outra pessoa lhe ofendeu; se separa porque não conseguiu perdoá-la por tal ato.

Se as duas pessoas mais espirituais do mundo se casassem, mas nenhuma delas tivesse o dom do perdão e de perdoar, o relacionamento acabaria em instantes. A primeira briga, discórdia, intriga ou desentendimento já seria suficiente para nenhum dos dois lados dar o braço a torcer e “perder a espiritualidade” reconhecendo o seu erro.

Na primeira falta grave de alguém, o outro não conseguiria perdoar e a raiz de amargura cresceria até o ponto de não amar mais aquela pessoa do mesmo modo que antes. E sem amor, sem relacionamento. Sem amor, sem fidelidade. Sem amor, sem união. Sem perdão, sem amor.

O sucesso de todos os relacionamentos da história da humanidade que deram certo (seja de amizades profundas e duradouras, seja de casamentos que duraram até que a morte os separasse) não veio do fato de nenhuma das pessoas errarem nunca, mas sim porque elas foram sensíveis a se arrependerem e reconhecerem seu erro quando erraram, e a perdoarem de coração quando erravam contra elas.

Você quer um relacionamento feliz e duradouro? Perdoe! Você quer agradar a Deus? Perdoe! Você quer desfazer de uma vez por todas com toda e qualquer raiz de amargura? Perdoe! E você verá os céus se abrindo e a paz de Cristo, que excede todo entendimento, guardando o seu coração e a sua mente em Cristo Jesus, e enchendo o seu coração de paz e alegria, no Espírito Santo.

Paz a todos vocês que estão em Cristo e que perdoam o próximo, como Ele nos perdoou.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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Um comentário:

  1. A raiz de amargura pode ser contraída também pelos nossos sonhos não conquistados, quando queremos muito comprar algo, mas lutamos tanto e não conseguimos alcança-lo, gerando assim, uma raíz de amargura e culpando as políticas econômicas, a classe social em que nascemos, dentre muitos motivos, e enfim, culpamos Deus.

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