6 de novembro de 2015

Por que Deus permite o mal?


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Este capítulo faz parte da obra: “O Problema do Mal”, ainda em construção.
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Outra razão pela qual Deus não intervém o tempo todo destruindo o livre-arbítrio humano é porque ele deu ao homem a autoridade sobre a terra. Este é um conceito muito claro biblicamente, e ao mesmo tempo difícil de explicar sem correr o risco de pender para a heresia.

Quando Deus colocou o homem na terra, ele o colocou como autoridade sobre toda a criação:

“Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão’. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra’” (Gênesis 1:26-28)

Deus colocou o homem no jardim “para cuidar dele e cultivá-lo” (Gn.2:15). Os salmistas compreenderam bem esta verdade. Davi disse que “os mais altos céus pertencem ao Senhor, mas a terra ele a confiou ao homem” (Sl.115:16). Ele também sublinhou o fato de que Deus fez o homem autoridade sobre a terra, para dominar sobre todas as obras das mãos de Deus:

“Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste, pergunto: Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes? Tu o fizeste um pouco menor do que os seres celestiais e o coroaste de glória e de honra. Tu o fizeste dominar sobre as obras das tuas mãos; sob os seus pés tudo puseste: Todos os rebanhos e manadas, e até os animais selvagens, as aves do céu, os peixes do mar e tudo o que percorre as veredas dos mares” (Salmos 8:3-8)

Isso obviamente não significa que “Deus abriu mão de sua soberania”, mas significa que Deus decidiu colocar o homem como autoridade sobre a criação. O homem é o “mordomo” de Deus na terra, o administrador da criação do Pai. Ele não é uma marionete, nem um autômato, nem um escravo. Ele é a autoridade sobre a terra. Isso significa, como bem destacou Dutch Sheets, que se o destino da humanidade desse certo seria por causa do homem, e se desse errado seria por culpa do homem.

A autoridade está nas mãos da humanidade, razão pela qual até mesmo quando Deus intervém na terra é por meio da oração daquele que tem autoridade sobre ela, ou seja, nós mesmos. É por isso que em certa ocasião Deus disse:

“Procurei entre eles um homem que erguesse o muro e se pusesse na brecha diante de mim e em favor da terra, para que eu não a destruísse, mas não encontrei nem um só. Por isso derramarei a minha ira sobre eles e os consumirei com o meu grande furor; sofrerão as consequências de tudo o que eles fizeram, palavra do Soberano Senhor” (Ezequiel 22:30-31)

Israel havia pecado gravemente contra Deus. O povo da terra praticava “roubos e extorsão; oprime os pobres e os necessitados e maltrata os estrangeiros, negando-lhes justiça” (Ez.22:29). Mesmo assim, Deus estava disposto dar-lhes uma nova chance. Para isso bastaria que alguém se colocasse “na brecha”, rogando a Ele pela sobrevivência de Israel. No entanto, Deus não encontrou ninguém. Todos haviam caído no pecado ou na negligência, e então a punição veio. Este conceito pode parecer forte demais para muitos, mas a verdade é que Deus permite que os homens tomem decisões que podem influenciar a história. O homem é senhor do seu destino, a autoridade responsável pelo êxito ou pelo fracasso deste mundo, e isso explica o porquê que tantos males ocorrem.

É por isso que os cristãos oram para que não seja feita a nossa vontade, mas sim a de Deus. Ao pedirmos isso, estamos dizendo a Deus que abrimos mão do nosso direito legal de guiar nossas próprias vidas, e colocando a Cristo no comando do barco. Mas essa oração só faz sentido se aqueles que não pedem por isso não recebem; ou seja, se as pessoas do mundo continuam guiando suas próprias vidas – o que explica o porquê que tanta gente se perde, mesmo com Deus desejando a salvação de todas as pessoas (2Pe.3:9; 1Tm.2:3-4).

É claro que Deus não é completamente passivo e nem perde o controle das coisas. Ele intervém em respostas às orações e periodicamente impede que o mundo caminhe para a autodestruição. Ele não faz isso porque precisa fazer, mas faz por misericórdia. Se ele não interviesse nunca, a responsabilidade permaneceria do homem. Deus intervém porque sabe que o homem se destruiria mutuamente sem sua intervenção.

O mundo estaria muito pior sem a intervenção periódica de Deus, refreando o pecado e punindo os culpados. No mundo pré-diluviano, por exemplo, a calamidade moral havia chegado a tal ponto em que só sobravam Noé e sua família dentre os justos do mundo antigo. E, se Deus não interviesse, provavelmente em pouco tempo não sobraria ninguém, bastando que Noé e sua família morressem ou fossem assassinados pela multidão de ímpios. “O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal” (Gn.6:5).

Deus teve que intervir, pelo bem do homem. Se não fosse por isso, a humanidade já teria se autodestruído. O ateu não aceita as intervenções de Deus, nem mesmo com o próprio dilúvio. Se Deus mata todos os ímpios em um dilúvio, ele é do mal, porque matou todos os ímpios. Mas se Deus deixa todos os ímpios viverem, ele é do mal, porque deixou todos os ímpios vivos. Eles não chegam a um acordo. A verdade é que Deus intervém, mas não sempre, porque se interviesse sempre estaria tirando a autoridade do homem sobre a terra e seu consequente livre-arbítrio. Ou o homem tem autoridade, ou ele não tem.

Se Deus impedisse todos os males de acontecer, ele teria dado autoridade ao homem de mentirinha. Se só há liberdade para fazer o bem, então não há liberdade. A “liberdade” seria uma enganação. Não haveria “escolha” real, se a opção “B” não fosse concretizável. Se Deus manipula as decisões do homem a cada vez que ele escolhe errado, então o homem não é autoridade. É necessário permitir o mal, como decorrência da liberdade dada ao homem pelo desejo do próprio homem, que escolheu comer do fruto do conhecimento do bem e do mal e ter total autonomia em lugar de Deus.

Estes conceitos não são fáceis de se explicar, primeiramente porque não há como o homem determinar com que frequencia que Deus intervém, ou onde exatamente que ele intervém. Um exemplo muito popular dado pelos ateus é o da queda de aviões. Eles argumentam que, se Deus existe e deseja o bem, ele deveria impedir todos os aviões de cair, contornando qualquer problema técnico ou do piloto. Já vimos que este quadro é ilusório em um mundo onde o homem é a autoridade e decide por si mesmo. Se Deus nunca deixasse um avião cair, nenhum piloto iria realmente se preparar para pilotar um avião. Se colocasse metade do combustível necessário para a viagem, a outra metade surgiria sozinha. Se o piloto estivesse bêbado ou dormindo, o avião pousaria por si mesmo. Se colocassem fogo no avião, o fogo apagaria do nada, e assim por diante.

A conclusão óbvia você já deve ter notado. Dizer que Deus deveria impedir sempre os aviões de cair implica necessariamente em uma completa desordem e caos no mundo natural. O homem se resumiria a um autômato e não teria autoridade sobre nada. Suas escolhas não poderiam determinar seu rumo. O livre-arbítrio não existiria. As leis naturais seriam quebradas a cada instante. Esta simplesmente não é uma opção razoável!

O ateu poderia então dizer que Deus não deveria impedir que todo avião caísse, mas deveria impedir que mais aviões caíssem do que a quantidade de aviões que costuma cair no mundo. O problema com este argumento é que simplesmente não é possível afirmar com exatidão quantos aviões que Deus hipoteticamente impede de cair no mundo, e este dado é imprescindível para o argumento ateísta, pois ele presume que Deus não impede nada. Esse pressuposto, no entanto, não tem como ser provado.

Considerando os dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), em 2014 um avião caiu para cada quatro milhões de aviões que não caíram. Poderíamos conjecturar que este índice praticamente insignificante de queda de aviões seria muito maior se Deus não interviesse nunca, e só não é menor porque é necessário que Deus não intervenha sempre. Ou seja, o ateu que argumenta que Deus nunca impede a queda de aviões não tem como saber se ele impede ou não. Se Deus impede, nós nem ficaríamos sabendo. E se ele permite que um a cada quatro milhões de aviões caiam, é porque a autoridade do homem sobre a terra não pode ser completamente ignorada, pelas razões já expostas aqui. Por fim, mesmo se um único avião tivesse caído na história, os ateus estariam usando essa queda para culpar Deus do mesmo jeito.

O mesmo raciocínio se aplica a outro exemplo comum, o das balas perdidas. “Por que Deus não desviou a bala?”, questiona o ateu. Mas se Deus costuma desviar balas, isso está além do conhecimento aplicável. Uma bala que teoricamente acertaria uma pessoa e que fosse “desviada por Deus” para acertar uma parede passaria totalmente imperceptível. Agiríamos com naturalidade frente ao fato, não observando qualquer intervenção sobrenatural.

O problema é que na mente de muitas pessoas Deus só intervém em situações extremas, como quando um acidente mata dezenas e só um sobrevive “por milagre”. Eu não creio que seja assim. Entendo que a esmagadora maioria das intervenções divinas são muito mais sutis do que se pensa, de modo que não é possível determinar quando Deus intervém e quando ele não intervém. Você pode ter recebido muitos livramentos divinos dos quais jamais se deu conta, da mesma forma que pode ter achado que recebeu um livramento quando apenas teve sorte. Essas são questões que estão além do conhecimento humano.

Se Deus não interviesse nunca, nós nem estaríamos aqui. E mesmo quando Deus decide não intervir, pode ser por um propósito maior (que já vimos anteriormente), ou para mostrar ao homem as consequencias de sua própria rebeldia deliberada. O homem erra, e o homem paga a conta. A humanidade é fruto das decisões certas e erradas do homem, somada a intervenções divinas periódicas que impedem que ela se autodestrua completamente – sendo estas intervenções quase sempre intimamente relacionadas com a oração de adoradores sinceros a Deus (o que torna a oração profundamente importante).

Em um exemplo análogo ao do avião, Bruce Reichenbach discorre sobre uma pessoa se afogando em um lago – ocasião em que um ateu prontamente exigiria uma ação sobrenatural da parte de Deus. Ele pondera:

Se Deus consistentemente estivesse interrompendo as leis naturais, o mundo logo se tornaria um caos, no qual a ação moral humana seria impossível. Sem a regularidade e a ordem, não poderíamos planejar nem calcular racionalmente as ações que deveríamos executar, a fim de atingir nossos objetivos. Seria impossível predizer os resultados de nossas ações, e de outras pessoas. Suponhamos que estamos vendo uma pessoa num lago, gritando por socorro. Devemos agir? Se sim, de que maneira? Se não houvesse leis naturais, ou se tais leis fossem frequentemente violadas pela intervenção divina (e direta) não saberíamos se deveríamos ou não pular na água para tentar salvar a pessoa. Não saberíamos se a pessoa se afogaria ou não naquele lago, se ela seria capaz ou não de erguer-se e caminhar por sobre as águas, ou se ela flutuaria como uma rolha. Como deveríamos agir depende de como podemos agir, e como podemos agir depende de nosso conhecimento. Neste caso, depende de nosso conhecimento das propriedades naturais da água e como se relacionam com o corpo humano. Contudo, sem este tipo de conhecimento, nossa própria atividade moral se torna impossível. Embora isto não signifique que Deus não pode agir diretamente sobre a natureza, certamente significa que Deus não pode agir de maneira que redundaria na destruição da ordem natural e, consequentemente, em nossa própria incapacidade para agir de modo racional, prudente e moral.

Semelhantemente, C. S. Lewis discorre:

Imagine uma viga de madeira que se torna suave como a grama quando for usada como arma e o ar se recusasse a obedecer-me se eu tentasse criar nele ondas sonoras que carregam mentiras ou insultos. Mas tal mundo seria aquele em que ações erradas seriam impossíveis, e, portanto, o livre-arbítrio seria nulo. Se esse princípio fosse levado à sua conclusão lógica, até mesmo os maus pensamentos seriam impossíveis, e a matéria cerebral que usamos para pensar iria se recusar a realizar a tarefa quando tentássemos enquadrá-los.

É por isso que as acusações ateístas são geralmente tão simplistas e infantis, porque desconsideram as consequencias de suas argumentações, ou a impossibilidade de seus pedidos se concretizarem efetivamente em um mundo livre. Se Deus quisesse evitar todo o sofrimento, ele poderia, mas neste caso a liberdade e a autonomia dos homens acabariam juntamente com as leis naturais. 

Na próxima vez que você segurasse por engano um copo de água fervendo, a água congelaria sozinha. Na próxima vez que você cruzasse a rua e estivesse prestes a ser atropelado, sua perna seria puxada pra trás. Na próxima vez que você tentasse atirar em alguém, a bala desviaria o alvo misteriosamente, e se estivesse próximo demais ela nunca dispararia. Imagine tudo isso ocorrendo o tempo todo no mundo inteiro: isso é pedir o fim do livre-arbítrio. Em mundo com liberdade, uma certa quantidade de mal decorrente das escolhas humanas não é apenas admissível, mas necessária. É a consequencia lógica de um mundo livre onde os homens podem ter o “conhecimento do bem e do mal”, por ele mesmo requerido. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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