5 de setembro de 2015

É pecado fazer tatuagem?



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Este capítulo faz parte da obra: “Exegese de Textos Difíceis da Bíblia”, ainda em construção.
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Não faltam cristãos que ainda veem a tatuagem com preconceito, como se ela por si só já fosse um pecado. Quem pensa deste jeito geralmente usa como base o verso de Levítico 19:28, que é o único em toda a Bíblia que parece se opor às tatuagens:

“Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o Senhor” (Levítico 19:28)

No entanto, usar este verso fora do contexto é completamente leviano, e, mais uma vez, um crime de exegese. Está muito óbvio que este verso faz parte do conjunto de “leis cerimoniais” da comunidade judaica – leis essas que nem de longe permanecem valendo para os dias atuais. Só para dar um exemplo, o verso anterior diz:

“Não cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabeça, nem danificareis as extremidades da tua barba” (Levítico 19:27)

Qual igreja que, hoje em dia, ainda mantém as restrições descritas no verso? Nenhuma que eu conheça. Nem mesmo a Assembleia de Deus (a mesma que em geral proíbe a tatuagem do verso 28) observa o que diz o verso 27. Ao contrário: ela chega até a proibir a barba, ao invés de exigi-la, como o texto diz! Dois versos adiante, o livro prescreve também a guarda do sábado (v.30), o qual também não é observado pela grande maioria das igrejas. E os versos anteriores prescrevem sacrifícios de animais (vs.21-22) e proíbem que se plantem duas espécies de sementes em sua lavoura ou que se usem roupas feitas com dois tipos de tecido (v.19). Alguém observa isso hoje? Não? Então para o lixo este argumento.

Mesmo se o contexto permitisse uma aplicação literal para os dias de hoje desta regra cerimonial judaica de 3.400 anos atrás, ainda assim isso não proibiria a tatuagem. Note, em primeiro lugar, que a proibição às “marcas no corpo” está relacionada aos golpes na carne em favor dos mortos. Não tem nada a ver com uma tatuagem no sentido atual, mas sim com uma prática pagã dos povos da época, que costumavam cortar seu próprio corpo em sacrifício a um falso deus. Era esse tipo de “marca” que os adoradores de Baal faziam em seu corpo, na ocasião em que disputavam com o profeta Elias:

“Ao meio-dia Elias começou a zombar deles. ‘Gritem mais alto!’, dizia, ‘já que ele é um deus. Quem sabe está meditando, ou ocupado, ou viajando. Talvez esteja dormindo e precise ser despertado’. Então passaram a gritar ainda mais alto e a ferir-se com espadas e lanças, de acordo com o costume deles, até sangrarem. Passou o meio-dia, e eles continuaram profetizando em transe até a hora do sacrifício da tarde. Mas não houve resposta alguma; ninguém respondeu, ninguém deu atenção” (1ª Reis 18:27-29)

Isso tem alguma coisa a ver com a tatuagem dos dias atuais? É claro que não. A prática não tinha relação nenhuma com alguma tatuagem moderna por razões puramente estéticas, mas sim com autoflagelo praticado por povos pagãos para terem a atenção de um deus pagão. Era isso – e não uma tatuagem moderna – o que estava sendo proibido em Levítico 19:28. Maurício Zágari fez uma aplicação prática aos dias de hoje:

“Por que Deus estabeleceu essa norma para os israelitas? A resposta é que havia um povo, chamado caldeu, que tinha como hábito religioso cortar a carne de seus próprios corpos e fazer marcas com lâminas afiadas na pele como parte dos seus rituais aos falsos deuses que seguiam (a exemplo do que ocorre atualmente em muitas tribos africanas). Eram marcas que denunciavam idolatria. Em outras palavras, o que Deus está dizendo é que os hebreus não deviam cometer as práticas idólatras dos povos pagãos com que tinham contato. Se fosse em nossos dias, seria mais ou menos como dizer ‘Não poreis despacho na encruzilhada’ ou ‘Não rezareis para santos mortos’”[1]

Há ainda uma outra passagem que de vez em quando é usada por algum fundamentalista contra tatuagens, que é o famoso texto que afirma que nós somos templo do Espírito Santo (1Co.6:19). O que é que isso tem a ver com tatuagens é um mistério que nunca foi desvendado. O que Paulo dizia no contexto é que não devemos nos meter com prostituição ou adultério (1Co.6:18), porque somos santuário de Deus, e por isso devemos fugir da imoralidade sexual. Não tinha absolutamente nada a ver com o uso de tatuagens. Se qualquer marca no corpo fosse automaticamente considerado pecado, a Bíblia não diria sobre Jesus que “em seu manto e em sua coxa está escrito este nome: Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap.19:16) – e a Bíblia certamente não atribuiria um pecado a Jesus, nem mesmo alegoricamente!

É lógico que nem todo tipo de tatuagem deve ser aceito. Se alguém tatuar Belzebú no corpo, não me culpe no dia do Juízo. Embora a tatuagem em si não seja pecado, o que é tatuado pode ser – dependendo se fere um princípio moral ou não. Isso, contudo, está longe de ser o caso-padrão da maioria das pessoas que decidem fazer tatuagem. Não há nada intrinsecamente errado em se tatuar, mas é necessário ter cuidado sobre o que irá tatuar, da mesma forma que devemos ter prudência sobre todas as outras coisas da vida.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)

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4 comentários:

  1. ... Ótimo artigo Lucas, realmente, penso da mesma forma.. e uma coisa inusitada, eu estava lendo este artigo e tinha visto que o autor tinha uma boa e bem diferente forma de argumentar, tanto que ironica, quando me deparei era um de seus sites haha, abçs

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  2. Concordo plenamente. Vejo muitos crentes se vangloriar por não fazer isso ou aquilo, e muitas vezes condenando quem fez. Não entendem que santidade e salvação esta muito longe de seguir usos e costumes. Sou Assembleiana, mas saio correndo quando ouço vejo discussões sem sentido e base bíblica.

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  3. Estará limitado o poder do senhor?
    A palavra de Deus é infinita e transcende todas as gerações. É curioso observar o número de neo-pentecostais que deturpam e manipulam a palavra do Senhor em prol de seus actos incongruentes a sua ordem. Pelo que se anda a ver, entramos na geração de ''adoradores'' que interpretam a bíblia como lhes convém.

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